São Paulo, sábado, 25 de abril de 1998

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Livro é a saga de um artista incomum

da Redação

Se não valesse por mais nada, "Maldito" valeria apenas pela introdução de Rogério Sganzerla, antológica reflexão sobre a marginalização do gênio popular e um dos mais belos textos críticos escritos no país em qualquer época.
Mas "Maldito" vale por muita coisa mais. Estamos num bom momento para biografias cinematográficas. A Record acabou de lançar o "François Truffaut" de Serge Toubiana e Antoine de Baecque, onde os autores procuram situar o Truffaut secreto, que existia ao lado de sua fama de cineasta oficial de França.
A empreitada de André Barcinski e Ivan Finotti, em "Maldito" é quase o negativo da de Toubiana e De Baecque.
Se tudo na juventude encaminhava Truffaut para o lado dos proscritos e da marginalidade, o tempo encarregou-se de criar uma imagem bem diferente dele.
No caso de José Mojica Marins, estamos no Brasil, e o menino que largou os estudos precocemente se entupia de imagens no cinema onde o pai era gerente e aprendeu a fazer filmes no muque.
Entre os incontáveis estratagemas que usou para iniciar sua carreira, o mais célebre é, de longe, a escola de cinema, onde os alunos, além de pagarem pelas aulas (e eventualmente para participar dos filmes), ainda tinham de sair por aí vendendo quotas dos filmes.
Picaretagem, claro. Mas dessa escola saíram Jean Garrett, mais tarde diretor de cinema, e Eduardo Lafon, hoje diretor da TV Record -entre outros.
Na verdade, Mojica está no entroncamento de uma cultura erudita bem menos erudita do que se imagina e de uma cultura popular que nunca se afirmou -a do cinema no Brasil.
Mas é no âmbito dessa cultura popular que Mojica é um expoente. Zé do Caixão é um visionário, consciente da ignorância do povo (a quem ataca ao atacar a religião sem piedade). É também um bárbaro, que profetiza a degeneração de uma sociedade que não sabe lidar com a ignorância e a miséria.
É, sobretudo, um homem que nasceu pobre e vive pobremente, um pouco de sua arte, um pouco de expedientes, movido por uma paixão intensa e por um senso comercial que beira o cretinismo.
Da Vila Anastácio, anos 40, a Coffin Joe, anos 90, este livro nos leva à demência brasileira, ao terror real. É o luxo do lixo, como diz Sganzerla. "Maldito" é a saga de um artista incomum, com uma vida idem. (INÁCIO ARAUJO)



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