|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Livro é a saga de um artista incomum
da Redação
Se não valesse por mais nada,
"Maldito" valeria apenas pela introdução de Rogério Sganzerla,
antológica reflexão sobre a marginalização do gênio popular e um
dos mais belos textos críticos escritos no país em qualquer época.
Mas "Maldito" vale por muita
coisa mais. Estamos num bom
momento para biografias cinematográficas. A Record acabou de
lançar o "François Truffaut" de
Serge Toubiana e Antoine de
Baecque, onde os autores procuram situar o Truffaut secreto, que
existia ao lado de sua fama de cineasta oficial de França.
A empreitada de André Barcinski e Ivan Finotti, em "Maldito" é
quase o negativo da de Toubiana e
De Baecque.
Se tudo na juventude encaminhava Truffaut para o lado dos
proscritos e da marginalidade, o
tempo encarregou-se de criar uma
imagem bem diferente dele.
No caso de José Mojica Marins,
estamos no Brasil, e o menino que
largou os estudos precocemente se
entupia de imagens no cinema onde o pai era gerente e aprendeu a
fazer filmes no muque.
Entre os incontáveis estratagemas que usou para iniciar sua carreira, o mais célebre é, de longe, a
escola de cinema, onde os alunos,
além de pagarem pelas aulas (e
eventualmente para participar dos
filmes), ainda tinham de sair por
aí vendendo quotas dos filmes.
Picaretagem, claro. Mas dessa
escola saíram Jean Garrett, mais
tarde diretor de cinema, e Eduardo Lafon, hoje diretor da TV Record -entre outros.
Na verdade, Mojica está no entroncamento de uma cultura erudita bem menos erudita do que se
imagina e de uma cultura popular
que nunca se afirmou -a do cinema no Brasil.
Mas é no âmbito dessa cultura
popular que Mojica é um expoente. Zé do Caixão é um visionário,
consciente da ignorância do povo
(a quem ataca ao atacar a religião
sem piedade). É também um bárbaro, que profetiza a degeneração
de uma sociedade que não sabe lidar com a ignorância e a miséria.
É, sobretudo, um homem que
nasceu pobre e vive pobremente,
um pouco de sua arte, um pouco
de expedientes, movido por uma
paixão intensa e por um senso comercial que beira o cretinismo.
Da Vila Anastácio, anos 40, a
Coffin Joe, anos 90, este livro nos
leva à demência brasileira, ao terror real. É o luxo do lixo, como diz
Sganzerla. "Maldito" é a saga de
um artista incomum, com uma vida idem.
(INÁCIO ARAUJO)
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|