São Paulo, sábado, 25 de abril de 1998

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LIVRO LANÇAMENTO
Hobsbawm revela usos da história

SYLVIA COLOMBO
Editora-assistente da Ilustrada

Por mais que pareça estranho, um historiador que acredite na existência dos fatos, pura e simplesmente, é hoje olhado com alguma desconfiança por seus pares.
O cruzamento dos discursos e o estudo do particular para desautorizar elucidações genéricas tomou conta da historiografia, rotulando de forma pejorativa os discípulos das grandes narrativas com o termo "positivistas".
Na coletânea "Sobre História", do historiador Eric Hobsbawm, lançado no Brasil nesta semana pela Companhia das Letras, algumas questões conceituais e metodológicas sobre o estudo da disciplina são levantadas e discutidas.
Os textos são ensaios do pensador, nascido no Egito e radicado em Londres, que foram escritos nos últimos 30 anos.
As questões a que ele se propõe no livro: o que é fazer história, como se faz, como ele próprio a encara e o sentido que o desenvolvimento desse saber tem para a sociedade contemporânea pode, a princípio, soar como uma série de preocupações corporativas.
Longe disso, o livro funciona, pela clareza da exposição e pela proximidade dos exemplos, uma espécie de introdução (ainda que atormentada) à história.
Numa explicação endereçada ao senso comum, Hobsbawm nos apresenta o passado como a justificativa para que as sociedades assumam que são como são. O passado como um referencial, um padrão para o presente.
E apresenta exemplos particulares: para que guardamos fotos e objetos de pessoas queridas? As elocubrações se ampliam para receitas mais amplas: por que um povo indígena cultiva em seus descendentes histórias sobre as terras que já ocuparam, a vida que já viveram, como que para criar na nova geração a idéia de um passado ideal para o qual é possível voltar, ainda que por meio das lutas? Assinala os dois fenômenos como usos da história.
Do uso para o abuso, Hobsbawm mostra como um historiador pode ser tão perigoso quanto um físico nuclear. Quando existe para justificar ideologicamente um regime de governo ou quando produz saber que alimenta, por exemplo, grupos terroristas que passam a ter no passado a justificativa para atos que lhes devolvam a antiga moralidade.
A imprensa e a crítica gostam de frisar a idéia de que Hobsbawm é ainda um marxista, num tom de surpresa e até de indignação. Ele defende, sim, o marxismo como sua principal bandeira. Mas menos enquanto discurso político do que como um modelo para se entender a história. "Mesmo que eu achasse que grande parte da abordagem da história por Marx precisasse ser jogada no lixo, ainda assim continuaria a levá-la em consideração."
Defendendo a idéia de que somente a generalização pode ajudar a detectar tendências, Hobsbawm deixa claro o eurocentrismo de suas análises, visto que suas generalizações partem do referencial europeu: "Infelizmente, a única sociedade na história que até hoje fornece material adequado para o estudo da relativa atração de ancestrais e da novidade é a sociedade capitalista ocidental dos séculos 19 e 20".
Ele explica, quase que pedindo desculpas a seus colegas de profissão, que o seu ofício de detectar a formação de mitos e tendências na hora em que estão sendo gerados, nunca fará deles figuras populares na sociedade em que vivem.


Livro: Sobre História
Autor: Eric Hosbawm
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: preço indefinido (344 págs.)



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