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61º FESTIVAL DE CANNES
Santoro vai a Cuba e aos EUA, mas quer voltar
Ator, que fez Raúl Castro em "Che" e filma com Jim Carrey, fala em "investimento" na carreira e "saudade monstruosa"
Após apresentar longas de Steven Soderbergh e Pablo Trapero em Cannes, ele relativiza fama, defende novelas e planeja teatro
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
"As coisas começaram a se
mover." É assim que o ator Rodrigo Santoro, 32, enxerga a fase mais recente de sua carreira.
O avanço do trabalho de Santoro além das fronteiras do
Brasil ganhou evidência nas
duas últimas semanas, quando
ele apresentou dois filmes, ambos estrangeiros e em competição pela Palma de Ouro, no 61º
Festival de Cannes, o mais renomado do mundo.
Em "Leonera" (mãe leoa), do
argentino Pablo Trapero, na
pele do personagem Ramiro,
Santoro vive um passional
triângulo amoroso, pelo qual
vai parar na cadeia, acusado de
assassinato. Em "Che", biografia do líder revolucionário Ernesto Che Guevara dirigida pelo norte-americano Steven Soderbergh, ele é Raúl Castro, o
irmão de Fidel e atual mandatário cubano.
Movendo-se de um set a outro, Santoro atuou nos dois longas simultaneamente, no ano
passado. "Filmei [a participação em "Che'] em Porto Rico e
tinha 20 dias de intervalo até a
equipe finalizar [as cenas] e ir
para o México, que era minha
locação seguinte", conta.
O convite do cineasta argentino o pegou no Brasil num momento em que pretendia dar
uma pausa. Ligando de Buenos
Aires, Trapero lhe ofereceu
"um personagem bastante pequeno, mas fundamental para a
história". O diretor descreveu
Ramiro como um homem "intenso, que vive um conflito interessante [entre salvar a própria pele ou a da mulher que
ama]". Mas o que cativou Santoro na oferta foi uma "suspeita" de Trapero: "Acho que pode
ser um desafio para você expressar isso em poucas cenas".
Cuba
Santoro é o tipo de ator que
gosta de construir seus personagens com minúcia. Para viver Raúl Castro, estudou uma
nova língua (o espanhol) e um
país. "Comecei a pesquisar e
encontrei uma imagem muito
solidificada dele. Só que eu não
posso partir para a criação de
uma imagem. Então, fiz o que já
queria ter feito há muito tempo
-ir a Cuba."
Durante o mês e meio na ilha
caribenha, Santoro alugou um
quarto em Havana Vieja, viajou
de jegue a Sierra Maestra e passou dias enfurnado na sede do
Instituto Cubano de Cinema
(Icaic), vendo imagens de arquivo da revolução. Com um
assistente cubano, treinou à
exaustão o sotaque de Castro.
"Vivi uma experiência humana sensacional. Essa é uma das
coisas que o trabalho me proporciona e que adoro tanto. É o
que vou levar da vida. O status,
os prêmios, tudo isso é importante, mas o que mais valorizo
são as experiências. A preparação é o momento em que conheço o novo, observo, tento
não fazer nenhum tipo de julgamento, não ter nenhum preconceito, estar aberto, com o
olhar puro. Nessa, você amadurece. Aquilo o transforma."
As cenas de Santoro em
"Che" não são muitas, mas são
divididas com o norte-americano de origem porto-riquenha
Benicio Del Toro, que interpreta Ernesto Guevara. "É um ator
que admiro muito -o trabalho
e as escolhas dele. Só a oportunidade de trabalhar com ele já
foi maravilhosa", diz Santoro.
Depois de participar da sessão de gala e da maratona de
entrevistas de "Che" em Cannes, o ator retoma agora as filmagens de "I Love You Phillip
Morris", em que contracena
com outros dois nomes da galáxia hollywoodiana -Jim Carrey e Ewan McGregor.
Sobre seu personagem no filme, a única informação divulgada até agora é que ele tem um
caso com o de Jim Carrey. "É
um personagem que tem várias
surpresas, mas não posso falar
mais do que isso. As pessoas
acham que a gente faz charme,
mas isso é uma regra", diz.
É uma regra dos estúdios de
Hollywood, para alimentar expectativas em torno dos filmes
e mantê-los sempre sob os holofotes, com as informações
sendo liberadas a conta-gotas.
Para quem lida com a indústria
de celebridades que vem acoplada à do cinema, a barreira a
informações não é um problema. Já a fama pode ser um
grande incômodo. Para Santoro, foi -no começo de sua carreira, no Brasil.
"É muito brusco quando
acontece [o estrelato]. Sou petropolitano [de Petrópolis, região serrana do Estado do Rio],
minhoca da terra, fui criado em
fazenda. Sou bicho-do-mato,
sempre fui, continuo sendo. Vi
minha privacidade indo embora, foi complicado entender e
aceitar", diz.
Polêmica
Santoro se mudou para o Rio
na virada dos 18 para os 19 anos.
Pouco depois, experimentou o
"brusco" sucesso. Quando entendeu que "não era pessoal" o
comportamento (aos seus
olhos) invasivo da imprensa,
Santoro passou a lidar "infinitamente melhor" com o assédio. "Hoje isso é algo que não
incomoda. Sinto que de maneira nenhuma preciso encarnar
um personagem para dar uma
entrevista ou sair na rua. Se não
existe uma polêmica em torno
de mim, é porque simplesmente não sou assim."
Vivendo atualmente mais
tempo fora do Brasil do que em
sua casa no Rio, ele diz sentir
"uma saudade monstruosa" do
país, da família, dos amigos e de
sua rotina carioca. "Tenho saudade de botar a minha bermuda
e surfar. Tenho saudade de descer no Leblon e tomar um suco,
uma água-de-coco."
A probabilidade de que Santoro fixe residência em outro
país, no entanto, só aumenta.
"À medida que as coisas forem
acontecendo, que eu continue
trabalhando, em algum momento pode ser que tenha uma
base em algum lugar, não faço
idéia de onde", diz ele. "No momento, não tenho dinheiro para ter apartamentos. Nesses
trabalhos todos que faço, minha remuneração é sempre supertabelada. E, quando estou
lá, tenho que gastar para me
manter. Isso tudo para mim
ainda é um investimento."
Entre "Che" e "I Love You
Phillip Morris", Santoro fez outro trabalho internacional. Filmou com Vichy Jenson, co-diretora dos dois primeiros títulos da série "Shrek", a comédia
"The Post Grad Survival Guide"
(o guia de pós-graduação em
sobrevivência).
"Estava terminando "Che"
quando apareceu esse projeto.
Achei o personagem interessante e me aventurei. Era da diretora do "Shrek", que tem um
trabalho interessante e diferente. Eu estava vindo do meio
do mato. Fui para essa outra
história e funcionou como uma
reciclagem."
Globo
Embora os papéis de Santoro
em filmes internacionais estejam emendando-se uns nos outros, os planos de trabalho do
ator no Brasil são muitos e variados, incluindo, além do cinema, o teatro e a TV.
"Estou para resolver minha
situação na Globo, mas acho
que posso fazer alguma coisa
neste ano. Tenho saudade. Minha criação foi ali", diz.
Santoro é dos raríssimos [para não dizer o único] atores de
sua geração e seu prestígio a defender as novelas. "A TV tem
uma coisa mais fluida. Você pega um ritmo. Faz 23 cenas num
dia. Acho interessante, diferente. Não acho menor, nem que se
possa comparar um capítulo de
uma novela com um filme. Não
comparo. Tenho respeito por
cada um deles e acho interessante para o ator transitar."
A volta ao teatro, um projeto
antigo, está sendo ensaiada.
Sob a direção de Luiz Fernando
Carvalho ("Lavoura Arcaica"),
Santoro pretende montar um
texto da francesa Marguerite
Duras. Não há data prevista,
porque "para fazer teatro, você
tem que parar todo o resto".
No cinema brasileiro, Santoro rodou o ainda inédito em circuito comercial "Desafinados",
de Walter Lima Jr., e aceitou o
papel do jogador Heleno de
Freitas [1920-59] no longa que
José Henrique Fonseca deve
filmar em 2009 sobre o craque
e dândi botafoguense.
Antes, talvez diga um "sim"
como ator e produtor a algum
dos roteiros que estão em suas
mãos. Migrar para a direção,
movimento que fizeram recentemente os atores Selton Mello
("Feliz Natal") e Matheus
Nachtergaele, que apresentou
em Cannes seu primeiro longa,
"A Festa da Menina Morta",
não está nos planos de Santoro.
"Admiro essa galera toda. Me
chamem para participar como
ator. Vou adorar. Mas não penso em dirigir. Estou bem envolvido com o trabalho de ator."
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