São Paulo, domingo, 25 de maio de 2008

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DVDs - Crítica/"O Primo Basílio"

Daniel Filho faz melodrama mumificado

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Um nome central para compreender o cinema brasileiro atual, mais que Fernando Meirelles, José Padilha ou qualquer outro, é Daniel Filho, ator competente no passado e hoje patrono da aproximação entre TV (leia-se Rede Globo) e cinema, essencial para a criação de nossa "indústria de cinema".
Por seu longo vínculo com a Globo, Daniel Filho pode ser visto como o homem capaz de aproximar um cinema sem público de um padrão de espetáculo de massa feito pela TV. Daniel Filho dirige os protótipos desse ideal estético. O resultado pode ser uma boa comédia, como "Se Eu Fosse Você", mas também pode revelar os limites dessa estratégia desastrosa, quando o cineasta se mostra mais ambicioso. É o caso de "O Primo Basílio".
Fosse uma minissérie, tinha tudo para ser recebido com a complacência habitual reservada a "produtos de qualidade" da Globo: São Paulo nos anos 50 parece São Paulo nos anos 50, a reconstituição histórica é verossímil (leia-se: um decalque às revistas de época), o texto é profundo (entenda-se: bom para as massas ignorantes, que assim são civilizadas pela TV), a interpretação, primorosa (superficial como sempre) etc.
No cinema, a impressão é bem outra: "O Primo Basílio" sofre de uma concepção dramatúrgica antiquada, tolamente melodramática; de uma montagem quadrada, estática, adequada aos filmes dos anos 30 (padrão no Brasil, hoje) e a fotografia é quase um acinte, tal sua vulgaridade.
À força de querer achar no espetáculo cinematográfico uma extensão da TV e seu caráter "comunicativo", o filme de Daniel Filho ignora praticamente tudo o que o cinema questionou desde, pelo menos, o fim da Segunda Guerra para se refugiar num realismo pré-neo-realista: realismo verista que estaria vencido há 50 anos caso tivesse sido usado por algum bom filme, em algum momento da história.
Daí, talvez, a impressão incômoda de estarmos vendo um produto mumificado e ressuscitado sete décadas depois. Todo o vigor do nosso cinema se fez, pelo menos desde o cinema novo, sobre a capacidade de achar respostas estéticas adequadas ao estado do cinema e também ao do país.
Toda sua fragilidade atual passa pela absoluta insuficiência de pensamento teórico e conhecimento histórico, da qual decorre a ilusão de estarmos fazendo "cinema popular", quando apenas promovemos o atraso estético a padrão compulsório, à custa de preservar a ilusão de que novelas de TV constituem uma espécie de vanguarda estética mundial (e não uma tara nacional).
Para sabermos algo sobre o casamento, podemos recorrer a qualquer filme de Lubitsch ou Cukor ou McCarey, isto é, a qualquer bom filme do momento em que a representação clássica fazia sentido, e saberemos infinitamente mais sobre o casamento, a paixão, o desejo e, sobretudo, o cinema.


O PRIMO BASÍLIO
Diretor: Daniel Filho
Distribuidora: Buena Vista Home Entertainment
Quanto: R$ 22, em média
Avaliação: ruim



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