São Paulo, Terça-feira, 25 de Maio de 1999
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Livro ensina a ver como eram modernos os impressionistas


"Modernidade e Modernismo" inicia no país coleção inglesa de quatro volumes sobre crítica e história da arte


CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local

O volume de ensaios "Modernidade e Modernismo - A Pintura Francesa no Século 19", que acaba de ser lançado no Brasil, funciona como uma série de aulas que, mais que apresentar fatos históricos, está preocupada em fortalecer o olhar crítico do espectador.
Já em seu texto introdutório, assinado por Briony Fer, o livro é esclarecedor. Fer não olha a obra como crítico, mas como espectador inteligente que é colocado pela primeira vez na frente de um quadro.
Ele não vê a tela a partir de suas características formais, mas de um contexto histórico. É uma aula de observação que vai além da moldura. Para Fer, não basta olhar a tela, mas olhá-la a partir de uma determinada perspectiva, que abrange os papéis do artista, do espectador, da crítica e do mercado.
Uma das características "modernas" que Fer levanta em telas como "Berthe Morisot com um Leque", de Manet, "A Ama-de-Leite", de Berthe Morisot, e "Camille no Jardim com Jean e Sua Empregada", de Monet, é a supressão de detalhes nos rostos femininos, usada como forma de desvirtuar a atenção do espectador daquilo que, até então, era considerado o centro psicológico da composição.
As características modernas das pinturas começaram a ser detectadas em textos de Charles Baudelaire, que além de poeta era crítico de arte. Baudelaire relacionava o moderno na arte a uma experiência de modernidade, algo que não permaneceria estático e que poderia ser sentido nas metrópoles.
O poeta chegou a detectar o espectador moderno na figura do dândi (ou "flaneur"): "O observador apaixonado, que vagaria no vaivém da multidão urbana, protegido pelo anonimato possível na vida da cidade", escreveu.
Fer coloca ainda que é inútil tentar descrever a experiência de ver e pensar uma obra de arte por meio da linguagem verbal, pois se tratam de códigos distintos.
Briony Fer diz que, com os impressionistas, o estabelecimento do status de moderno para uma obra de arte começa a passar pela crítica e não mais apenas pela maneira como a obra foi realizada.
Para exemplificar seu ponto de vista, refaz a conturbada trajetória crítica da tela "Olímpia", de Manet, que representava de maneira moderna a "Vênus de Urbino", de Ticiano.
Para alguns críticos da época, as cores e manchas da tela representavam a sujeira, que, por sua vez, associava-se ao caráter da mulher representada. Um crítico chegou a determinar com detalhes o caráter e a proveniência da mulher a partir apenas da observação dos traços de Manet.
A tela escandalizou na época não pela forma de apresentar uma mulher nua (um tema recorrente na pintura) nem pela forma como foi executada (chapada, sem perspectiva), mas pela relação possível que estabeleceria com o espectador, que, a partir da obra, poderia se ver como um cliente em potencial da moça retratada.
A tela provocaria assim escândalo ao explicitar uma situação moderna, que é a possível identificação do espectador com um acontecimento proibido. Também é moderna ao utilizar a mulher para representar um novo tipo de comportamento sexual.
Para ser apreciada, a tela necessitaria então de um espectador moderno, desvinculado de resquícios moralizantes, que soubesse ver e aceitasse o que estava vendo.

Livro: Modernidade e Modernismo - A Pintura Francesa no Século 19 Autores: Briony Fer, Francis Fascina, Nigel Blake, Charles Harrison e Tamar Garb Lançamento: Cosac & Naify Edições Ltda.
Quanto: R$ 72 (298 págs.; 245 ilustrações)



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