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São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2003

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O segundo Sol

Roberto Price/Folha Imagem
O cantor Lulu Santos, que volta a trabalhar com o produtor Memê no disco "Bugalu"



Aos 50 anos, Lulu Santos chega ao 18º álbum, "disco feliz" em que retoma a parceria dançante com o produtor e DJ Memê


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O pop ainda é a prova dos nove. Recém-chegado à década dos 50 anos, Lulu Santos reativa a fase mais ensolarada de sua discografia nos anos 90 e reata a parceria com o DJ, produtor e especialista em black music Marcelo Mansur (o Memê).

Juntos, eles haviam concebido a bem-sucedida trilogia de "Assim Caminha a Humanidade" (94), "Eu e Memê, Memê e Eu" (95) e, já desgastados, segundo ele mesmo reconhece, "Anticiclone Tropical" (96).
Lulu não faz relação de causa e efeito entre as duas coisas, mas o reencontro tem provocado a impressão de que o novo "Bugalu" -o 18º de sua carreira, desde 82- é um disco feliz.
"Tenho ouvido as pessoas se referirem a "Bugalu" como um disco feliz, e é mesmo bem mais animado em todos os sentidos. Música pop é o que tem que sair de mim. Acho que se deve a isso essa espécie de longevidade que mantenho na cena", sentencia.
Reconhece que a alegria tem seu preço e afirma prontamente que o encontro musical com Memê é penoso, também.
"Ele tem presença forte, é espaçoso. Discutimos mortalmente três vezes durante o processo. Mas essa é a história dessa relação. A dinâmica é bacana, alho e pimenta, trabalhamos como se nada tivesse acontecido."
De volta à felicidade. "Há quem se compraza com a tristeza. Eu, não. A melhor forma de encarar a tristeza é ter uma reserva de alegria. Meu show é Prozac na alma de quem vai e de quem vem", diz.
Para atestar, cantarola os versos em bossa nova "é melhor ser alegre que ser triste", do afro-samba antigo de Vinicius de Moraes e Baden Powell.

Marcos Valle
Outro convidado especial em "Bugalu" vem das hostes da bossa nova, a mesma para a qual Lulu lança certo muxoxo no texto promocional do CD, em contraste com a influência recebida, pelo Lulu criança e adolescente, de twist, rock'n'roll e dos grandes cantores negros.
É Marcos Valle, que atua nos teclados de "Língua Presa". "Coisas que ele fazia, como "Mustang Cor de Sangue" (69) e "Quarentão Simpático" (70), eram já tentativas de "popsambalanço e outras levadas'", afirma Lulu, citando o título de seu disco de 89.
Continua, voltando ao tema "alegria": "O que Marcos Valle fazia era minorizado, no Brasil há essa estranha necessidade de que o artista seja um flagelado, de que o conteúdo artístico tenha uma ponta de dor".
Falando de Valle como artista subestimado, Lulu estaria falando também de si? Diz que não, logo após se aproximar, ele mesmo, do paralelo, ao afirmar que "essa felicidade do meu disco resolve esses problemas todos, sem medo de ser feliz, e segurando a onda".
Mas não. "Sou um artista reconhecido. Falo ao jornal, tenho reconhecimento de público há muito tempo."

50 anos
Menos de dois meses depois do aniversário de 50 anos, Lulu Santos se demonstra arredio às reavaliações, embora a letra de "Já É" (que abre o disco e é tema da atual novela global das seis, "Agora É que São Elas") fale de alguém que "se pergunta se anda feliz/ com o rumo que a vida tomou/ no trabalho e no amor".
"Isso é mais observado que biográfico. Posso ver isso acontecendo em jovens adultos, na minha filha de 31 anos que tem um filho de 2. É difícil você se separar de quem você era quando era jovem", embaralha.
Afirma que o homem que é aos 50 não quer estar cristalizado e reclama de no Brasil o homem ter que aparentar maturidade demais -e envelhecer com muita rapidez.
"Em Londres há tanto velho maluco, que faz sua agenda sem se conformar", inveja. "Pessoalmente, sou um maduro com possibilidades de chuvas e trovoadas. O que pode ser imaturidade, caso clínico, não sei."
Dispara a refletir sobre o Brasil, entendendo seu povo como acostumado a ser pobre e a ter auto-estima reduzida. "Nossa vida foi assim, o golpe de 64 foi uma quebra da nossa psique. Hoje a ditadura foi substituída pela TV. O Brasil acha que está desvinculado da humanidade, o futuro a quem pertence?"
Epa, escapa um pessimista por detrás do bugalu de felicidade? "Não dá tempo para pensar nisso, é melhor ir em frente. Não dá para ser otimista, mas dá para otimizar."

Velha & jovem guarda
A velha e a jovem guarda do pop têm espaço em "Bugalu". Lulu é mais um a tentar reabilitar, nos teclados de "Já É", o maestro e produtor Lincoln Olivetti, que definiu rumos na MPB coalhada de black music e discothèque dos anos 70 para os 80 e depois caiu em desuso.
"A culpa é dele mesmo, pelo que acabou sendo uma revolta dele próprio com a forma como fazia música. É um grande artista", diz.
Na outra ponta, chama também o jovem Pedro Mariano, filho de Elis Regina e Cesar Camargo Mariano, para cantar "As Escolhas".
"Adoro a voz dele. Pedro me contou que, quando era adolescente e influenciado por mim, o Cesar uma vez disse: "É melhor você parar com essa história de Lulu Santos'", ri.
Pedro acaba de gravar "Tudo Bem", de Lulu, para um disco de voz e piano em dupla com Cesar. "Agora acho bacana o que esses meninos da Trama conseguem e não conseguem. É um bom futuro moderno, contemporâneo, sem macaquice nem trejeito."
"Fico feliz em saber que eles sejam meus tributários. Meus tributários são eles e é Buchecha, que era pedreiro e estava num andaime Jahu antes de fazer música. Ele me emociona", fecha a curva do tempo, referindo-se indiretamente a "Jahu", uma das faixas do novo disco.
















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