São Paulo, sexta-feira, 25 de junho de 2004

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CINEMA/ESTRÉIA

Filme do cineasta Pablo Trapero trata da corrupção da "Bonaerense", a polícia de Buenos Aires

"Falo do que só pode haver na Argentina"

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Quando "Do Outro Lado da Lei" ("El Bonaerense") estreou na Argentina, em 2002, provocou uma grande discussão pública sobre a ação da polícia da Província de Buenos Aires, conhecida como a Bonaerense.
Tida como corrupta e com vários de seus agentes metidos em processos que vão de cobranças ilícitas de propinas a assassinatos, a Bonaerense se viu metralhada por um filme que mostrava como o desregramento havia contaminado todas as suas esferas de atuação. Tudo isso justo em um momento em que o país via seus índices de criminalidade, exclusão social e violência dispararem, devido à crise econômica que levou ao colapso o governo de Fernando de la Rúa em dezembro de 2001 e seguiu fazendo estragos.
Hoje, dois anos depois, a violência crescente tem preocupado ainda mais os argentinos, que se acostumaram a fazer panelaços e mobilizações públicas por questões mais cotidianas e não apenas pelas grandes transformações políticas. "Infelizmente, o roteiro do filme, escrito em 2002, se antecipou aos acontecimentos, a ficção ficou muito pequena perto da violência que passou a predominar na realidade", disse o diretor Pablo Trapero, em entrevista à Folha, por telefone, de Buenos Aires.
Tido como um dos principais nomes do chamado novo cinema argentino, Trapero, 32, diz ver com preocupação o rumo dos debates sobre o tema hoje. "Há quem ache que se pode resolver o problema da violência com mais violência por parte do Estado. E há quem defenda que esta diminuirá se o Estado educar e der trabalho às pessoas. Estou do lado desses que pensam que, enquanto as coisas não melhorarem em sua estrutura, nada mudará."
"Do Outro Lado da Lei" traz a história de Zapa (Jorge Román), rapaz do interior que, ao participar de um assalto, é preso. Salva-se de cumprir pena pela ajuda de um parente que o encaminha para a capital, onde, por meio de conchavos, facilita sua entrada na polícia como aspirante.
O rapaz conhece os meandros corruptos da instituição e sua relação com a realidade violenta da grande cidade. "Gosto de contar histórias que acontecem na Argentina, e a Argentina não é só a cidade de Buenos Aires. Este é um filme que mostra as diversas formas de viver neste país."
Zapa se mostra como um homem comum e ingênuo, mas tudo é parte de uma estratégia de Trapero para embaralhar a idéia de Bem e Mal, de lei e desordem. "Zapa tem a habilidade de camuflar suas vontades. As pessoas primeiro o vêem como um tonto, mas é exatamente o contrário. Zapa é um tipo perigoso precisamente por fazer parecer que as coisas não são decididas por ele."
Incensado desde o sucesso internacional de "Mundo Grúa" (1999), Trapero diz que aposta em fazer filmes muito específicos, pouco internacionais e baratos. "Tive opções de fazer outros tipos de cinema, mas quero contar histórias com as quais me sinta próximo. Coisas que acontecem aqui. Para contar o que se passa em outros cantos há muitos diretores. O que me agrada nos meus filmes é que trazem coisas que até podem se repetir em outros países, mas que, do jeito que mostro, só acontecem na Argentina."

Road movie familiar
Trapero finaliza agora "La Familia Rodante", que deverá disputar o Leão de Ouro na Mostra de Veneza. "É um road movie familiar. Uma avó convoca sua família a viajar até seu povoado de origem. São 12 personagens que vão, a bordo de uma casa rodante, até Missiones, na fronteira com Brasil e Paraguai."
Ao saber que "El Bonaerense" tinha virado, em português, "Do Outro Lado da Lei", Trapero disse: "É um título ridículo e não tem nada a ver com a história. Para mim é importante que as pessoas se perguntem quem é o bonaerense. Gostaria de pedir aos distribuidores que confiem nos títulos que damos". Marco Aurélio Marcondes, diretor do consórcio Europa Filmes/m.a. Marcondes, que distribui o filme aqui, explica. "Concluímos que "bonaerense" era uma palavra de difícil escritura e pronúncia. E que "Do Outro Lado da Lei" é mais amplo, mais revelador do que é o filme, além de dialogar melhor com o cartaz e a frase de venda que criamos."


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