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CINEMA/ESTRÉIA
Filme do cineasta Pablo Trapero trata da corrupção da "Bonaerense", a polícia de Buenos Aires
"Falo do que só pode haver na Argentina"
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
Quando "Do Outro Lado da
Lei" ("El Bonaerense") estreou na
Argentina, em 2002, provocou
uma grande discussão pública sobre a ação da polícia da Província
de Buenos Aires, conhecida como
a Bonaerense.
Tida como corrupta e com vários de seus agentes metidos em
processos que vão de cobranças
ilícitas de propinas a assassinatos,
a Bonaerense se viu metralhada
por um filme que mostrava como
o desregramento havia contaminado todas as suas esferas de
atuação. Tudo isso justo em um
momento em que o país via seus
índices de criminalidade, exclusão social e violência dispararem,
devido à crise econômica que levou ao colapso o governo de Fernando de la Rúa em dezembro de
2001 e seguiu fazendo estragos.
Hoje, dois anos depois, a violência crescente tem preocupado
ainda mais os argentinos, que se
acostumaram a fazer panelaços e
mobilizações públicas por questões mais cotidianas e não apenas
pelas grandes transformações políticas. "Infelizmente, o roteiro do
filme, escrito em 2002, se antecipou aos acontecimentos, a ficção
ficou muito pequena perto da violência que passou a predominar
na realidade", disse o diretor Pablo Trapero, em entrevista à Folha, por telefone, de Buenos Aires.
Tido como um dos principais
nomes do chamado novo cinema
argentino, Trapero, 32, diz ver
com preocupação o rumo dos debates sobre o tema hoje. "Há
quem ache que se pode resolver o
problema da violência com mais
violência por parte do Estado. E
há quem defenda que esta diminuirá se o Estado educar e der trabalho às pessoas. Estou do lado
desses que pensam que, enquanto
as coisas não melhorarem em sua
estrutura, nada mudará."
"Do Outro Lado da Lei" traz a
história de Zapa (Jorge Román),
rapaz do interior que, ao participar de um assalto, é preso. Salva-se de cumprir pena pela ajuda de
um parente que o encaminha para a capital, onde, por meio de
conchavos, facilita sua entrada na
polícia como aspirante.
O rapaz conhece os meandros
corruptos da instituição e sua relação com a realidade violenta da
grande cidade. "Gosto de contar
histórias que acontecem na Argentina, e a Argentina não é só a
cidade de Buenos Aires. Este é um
filme que mostra as diversas formas de viver neste país."
Zapa se mostra como um homem comum e ingênuo, mas tudo é parte de uma estratégia de
Trapero para embaralhar a idéia
de Bem e Mal, de lei e desordem.
"Zapa tem a habilidade de camuflar suas vontades. As pessoas primeiro o vêem como um tonto,
mas é exatamente o contrário. Zapa é um tipo perigoso precisamente por fazer parecer que as
coisas não são decididas por ele."
Incensado desde o sucesso internacional de "Mundo Grúa"
(1999), Trapero diz que aposta em
fazer filmes muito específicos,
pouco internacionais e baratos.
"Tive opções de fazer outros tipos
de cinema, mas quero contar histórias com as quais me sinta próximo. Coisas que acontecem aqui.
Para contar o que se passa em outros cantos há muitos diretores. O
que me agrada nos meus filmes é
que trazem coisas que até podem
se repetir em outros países, mas
que, do jeito que mostro, só acontecem na Argentina."
Road movie familiar
Trapero finaliza agora "La Familia Rodante", que deverá disputar o Leão de Ouro na Mostra
de Veneza. "É um road movie familiar. Uma avó convoca sua família a viajar até seu povoado de
origem. São 12 personagens que
vão, a bordo de uma casa rodante,
até Missiones, na fronteira com
Brasil e Paraguai."
Ao saber que "El Bonaerense"
tinha virado, em português, "Do
Outro Lado da Lei", Trapero disse: "É um título ridículo e não tem
nada a ver com a história. Para
mim é importante que as pessoas
se perguntem quem é o bonaerense. Gostaria de pedir aos distribuidores que confiem nos títulos
que damos". Marco Aurélio Marcondes, diretor do consórcio Europa Filmes/m.a. Marcondes, que
distribui o filme aqui, explica.
"Concluímos que "bonaerense"
era uma palavra de difícil escritura e pronúncia. E que "Do Outro
Lado da Lei" é mais amplo, mais
revelador do que é o filme, além
de dialogar melhor com o cartaz e
a frase de venda que criamos."
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