São Paulo, domingo, 25 de junho de 2006

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DVDs

Crítica/"Pecados de Guerra" e "Johnny Vai à Guerra"

Dramas de guerra mostram americano como vítima e algoz

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Toda obra de arte, mesmo quando ambientada no passado ou no futuro, fala de alguma maneira sobre a sua época. Não é diferente com os filmes de guerra. Dois títulos que agora chegam ao DVD comprovam isso.
Em "Johnny Vai à Guerra", de 1971, único filme dirigido pelo escritor e roteirista Dalton Trumbo, o entrecho diz respeito a um rapaz norte-americano (Timothy Bottoms) que volta mutilado, cego, surdo e mudo do front da Primeira Guerra.
Mas o foco de Trumbo -um dos profissionais perseguidos como comunistas durante a "caça à bruxas" dos anos 50- é, evidentemente, a Guerra do Vietnã, que sacrificava milhares de jovens americanos na época em que o filme foi feito.
"Johnny Vai à Guerra" tornou-se um clássico pacifista ao mostrar com uma crueldade próxima do humor negro um rapaz pleno de vida e sonhos que se transforma de repente num homem-tronco, num pedaço de carne mantido vivo artificialmente para ser alvo de estudo.
As cenas do presente narrativo são filmadas em austero preto-e-branco, quase em alto contraste. Ouvimos em "off" a consciência de Johnny, lutando a duras penas para distinguir o que é realidade e o que é pesadelo ou delírio induzido pelas drogas.
Suas lembranças e, sobretudo. suas alucinações são apresentadas num colorido artificial, em tom alegórico que se coaduna com um certo psicodelismo da contracultura da época. Vemos, por exemplo, Donald Sutherland como uma espécie de Cristo hippie jogando pôquer com os recrutas que vão para o front.
Esses artifícios, que realçavam a atualidade do filme em sua época, hoje o tornam um tanto datado, embora potente.
Situação oposta é a de "Pecados de Guerra", que parece ter até rejuvenescido. Baseado em fatos reais ocorridos nos anos 60 e realizado 15 anos depois do fim da desastrosa intervenção dos EUA no Vietnã, o longa-metragem de 1988 trazia à tona o sentimento mais profundo com que os americanos tinham que lidar: a culpa.
A história é conhecida: numa patrulha na selva, um pequeno destacamento rapta, estupra e mata uma garota vietnamita. Um dos soldados, o novato Eriksson (vivido por Michael J. Fox), se recusa a participar da ação e entra em choque com seu superior, o sargento Meserve (Sean Penn).

Virtuosismo visual
Fugindo um pouco de seu cínico ceticismo habitual, De Palma faz dessa situação um tenso drama moral, com direito a epifania redentora no final, ao som de Ennio Morricone.
Algumas seqüências, como a do túnel por onde os vietcongues parecem se mover num gigantesco formigueiro, atestam que o virtuosismo visual do diretor está presente, só que controlado de modo a servir à narrativa, e não o contrário, como às vezes acontece em sua obra.
Nos extras, um "making of" e uma entrevista de Michael J. Fox reconstituem de modo exemplar o apuro e os percalços da produção, enriquecendo a fruição do filme. E acabamos convencidos de que De Palma, além de um enorme talento, também tem um coração.


JOHNNY VAI À GUERRA    
Direção: Dalton Trumbo
Produção: EUA, 1971
Distribuidora: Aurora; R$ 30

PECADOS DE GUERRA     
Direção:
Brian de Palma
Produção: EUA, 1988
Distribuidora: Sony; R$ 35



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