São Paulo, segunda-feira, 25 de junho de 2007

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GUILHERME WISNIK

Los Hermanos vive


Como fenômeno pop, a banda parece conter algo do Legião Urbana: a imantação "jovem" e certa verborragia

NO MEIO da madrugada, uma discussão exasperada. Começou aos poucos mas foi logo aumentando, com acusações, choros, depois lamentos e sons secos de coisas batendo. Tentei virar de lado, cobrir a cabeça com o travesseiro, até que veio o golpe final: um som alto, em que uma voz abafada cantava coisas atrás de uma massa de guitarras e solos de metais. Meio sonhando, pensei se a música servia para encobrir a briga, ou se já era o prelúdio de uma reconciliação, que os vizinhos de baixo ouviam em silêncio enquanto fumavam... Tocou, provavelmente, o disco inteiro, mas parecia uma única música que se intensificava ou abrandava (piano, forte, fortíssimo), enquanto a voz do cantor seguia dizendo frases intermináveis num clima de rock fossa. Era um som literalmente underground. Foi a primeira vez que ouvi Los Hermanos.
Como se sabe, a banda acaba de entrar em "recesso por tempo indeterminado", tendo feito três shows de despedida há duas semanas, no Rio de Janeiro, para 15 mil pessoas. Esses, sobretudo jovens que vieram em caravanas do Brasil inteiro e que, como eu, só puderam lamentar o ocorrido. Pois o sucesso do quarteto carioca ultrapassa o que poderíamos chamar de uma fórmula banal: a mistura de pop rock, indie e baladas românticas.
No caso de "Ventura" (2003) e "4" (2005), os dois últimos discos, sua música é verdadeiramente original, num sentido que é fiel à impressão sonâmbula daquela noite. Quase sem refrões ou estruturas mostrando movimentos alternados de tensão e repouso, as canções parecem não ter centro, e, por isso, acabam não se distinguindo bem umas das outras. É como se o magma difuso da música eletrônica contaminasse a MPB, em registro ao mesmo tempo experimental e comercial.
Nas belas vozes de Maria Rita, Mariana Aydar ou Virgínia Rosa, as canções de Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante se individuam claramente, revelando a sensibilidade e a habilidade dos dois.
Mas me interessa mais a melopéia vital da banda, que soma o descompromisso sonoro de acordes-bolacha e dos ritmos meio quadrados à sofisticação de timbres e camadas sonoras, com climas que vão da fanfarra circense à emotividade rasgada dos boleros cubanos. Nesse contexto, o sentido discursivo das letras não importa tanto, sendo substituído pelo casamento contundente entre a melodia e o som das palavras.
Como fenômeno pop, o Los Hermanos me parece conter algo do Legião Urbana, 15 anos depois. A imantação "jovem" e uma certa verborragia guiando canções meio entrópicas, que evoluem não se sabe muito bem para onde. Mas, se Renato Russo, como intérprete de um Brasil que se redemocratizava, era uma espécie de trovador que usava as canções para discursar sobre temas sociais, sexuais e, sobretudo, relativos aos dramas do autoconhecimento, o coletivo Los Hermanos descartou a ênfase narrativa, e com ela o moralismo. Com seu jeito carioca low profile, tendo a barba como uniforme de "irmandade", parecem tímidos e bem-comportados. Mas sua música é profunda.


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