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GUILHERME WISNIK
Los Hermanos vive
Como fenômeno pop, a banda parece conter algo do Legião Urbana: a imantação "jovem" e certa verborragia
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NO MEIO da madrugada, uma
discussão exasperada. Começou aos poucos mas foi
logo aumentando, com acusações,
choros, depois lamentos e sons secos de coisas batendo. Tentei virar
de lado, cobrir a cabeça com o travesseiro, até que veio o golpe final:
um som alto, em que uma voz abafada cantava coisas atrás de uma massa de guitarras e solos de metais.
Meio sonhando, pensei se a música
servia para encobrir a briga, ou se já
era o prelúdio de uma reconciliação,
que os vizinhos de baixo ouviam em
silêncio enquanto fumavam... Tocou, provavelmente, o disco inteiro,
mas parecia uma única música que
se intensificava ou abrandava (piano, forte, fortíssimo), enquanto a
voz do cantor seguia dizendo frases
intermináveis num clima de rock
fossa. Era um som literalmente underground. Foi a primeira vez que
ouvi Los Hermanos.
Como se sabe, a banda acaba de
entrar em "recesso por tempo indeterminado", tendo feito três shows
de despedida há duas semanas, no
Rio de Janeiro, para 15 mil pessoas.
Esses, sobretudo jovens que vieram
em caravanas do Brasil inteiro e que,
como eu, só puderam lamentar o
ocorrido. Pois o sucesso do quarteto
carioca ultrapassa o que poderíamos
chamar de uma fórmula banal: a
mistura de pop rock, indie e baladas
românticas.
No caso de "Ventura" (2003) e "4"
(2005), os dois últimos discos, sua
música é verdadeiramente original,
num sentido que é fiel à impressão
sonâmbula daquela noite. Quase
sem refrões ou estruturas mostrando movimentos alternados de tensão e repouso, as canções parecem
não ter centro, e, por isso, acabam
não se distinguindo bem umas das
outras. É como se o magma difuso da
música eletrônica contaminasse a
MPB, em registro ao mesmo tempo
experimental e comercial.
Nas belas vozes de Maria Rita,
Mariana Aydar ou Virgínia Rosa, as
canções de Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante se individuam claramente, revelando a sensibilidade e
a habilidade dos dois.
Mas me interessa mais a melopéia
vital da banda, que soma o descompromisso sonoro de acordes-bolacha e dos ritmos meio quadrados à
sofisticação de timbres e camadas
sonoras, com climas que vão da fanfarra circense à emotividade rasgada dos boleros cubanos. Nesse contexto, o sentido discursivo das letras
não importa tanto, sendo substituído pelo casamento contundente entre a melodia e o som das palavras.
Como fenômeno pop, o Los Hermanos me parece conter algo do Legião Urbana, 15 anos depois. A imantação "jovem" e uma certa verborragia guiando canções meio entrópicas, que evoluem não se sabe muito
bem para onde. Mas, se Renato Russo, como intérprete de um Brasil
que se redemocratizava, era uma espécie de trovador que usava as canções para discursar sobre temas sociais, sexuais e, sobretudo, relativos
aos dramas do autoconhecimento, o
coletivo Los Hermanos descartou a
ênfase narrativa, e com ela o moralismo. Com seu jeito carioca low
profile, tendo a barba como uniforme de "irmandade", parecem tímidos e bem-comportados. Mas sua
música é profunda.
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