São Paulo, sábado, 25 de junho de 2011

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Paulo Roberto Pires satiriza doentes de literatura como ele

Jornalista e editor vence "bloqueio do segundo livro" e, inspirado em Vila-Matas, lança romance após 11 anos

Escritor descreve sintomas de moléstia que mistura ficcional e real, criando alegoria ao modo do autor espanhol

Pedro Carrilho/Folhapress
Paulo Roberto Pires, que lança seu segundo romance, no Instituto Moreira Salles, no Rio

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

O jornalista e editor Paulo Roberto Pires leva a vida entre livros. Lê muito e desorganizadamente. Acumula volumes sem saber por quê. Escrutina vida e obra dos autores favoritos. Coleciona caderninhos de notas, quase sempre em branco. Quando os usa, anota errática e compulsivamente, registra trechos e citações, rascunha ideias, projeta livros que não passam de esboços.
Antes de enlouquecer, transformou a obsessão num romance. "Se Um de Nós Dois Morrer", publicado pela Alfaguara, é o prontuário de um doente de literatura.
Alter ego de Pires, o protagonista, Théo, morre no começo do livro e orienta postumamente a ex-mulher, Sofia, a se vingar do maior responsável por sua moléstia: Enrique Vila-Matas.
Foi o escritor espanhol quem lhe transmitiu duas enfermidades, o "mal de Montano" (ausência de limite entre o escrito e o vivido) e a "síndrome de Bartleby" (que acomete os que estão impregnados de literatura mas não escrevem, ou renunciam de repente à escrita).
A soma das duas é a "síndrome de Vila-Matas", da qual sofre Pires (ou Théo).
Sofia tem de fazer chegar ao espanhol uma pasta com os escritos de Théo, pois só um "colecionador de esquisitices literárias" como ele poderia ver sentido naquilo.
Na pasta estão cartas não enviadas sobre a internação de Théo numa clínica de reabilitação em que os pacientes são confinados para "não fabular ou cair na tentação de narrar" (escrever é proibido).
Os papéis trazem ainda rudimentos de contos, diários e curiosidades sobre outros escritores doentes.
Seria então a intenção de escrever parte da escrita, e o esboço de livros, literatura?
"Interessa tanto o que a pessoa não escreveu quanto o que escreveu", diz Pires à Folha. "As margens do escritor são muito importantes. O rascunho, o não feito, o fracasso são dados valiosos."
Nascido em 1967 no Rio, Paulo Roberto Pires é editor da revista de ensaios "Serrote" (do Instituto Moreira Salles) e professor de Comunicação da UFRJ. Trabalha com literatura desde 1985, quando, aos 18, começou a fazer resenhas para o "Jornal do Brasil". Foi editor na Planeta e no grupo Ediouro.
Publicou o primeiro romance em 2000 ("Do Amor Ausente", Rocco). Diz que, nos 11 anos até este segundo, teve certeza de que não conseguiria. "Você vai batendo na parede. Talvez seja porque sempre trabalhei com isso, [fui] ficando intoxicado."
O mesmo ocorre com Théo no romance. Pires admite que no personagem há "uns 80%" de si próprio.
Tal qual o autor, Théo é tarado por Walter Benjamin (1892-1940), de quem possuiu uma coleção admirável (uma "benjaminiana").
Ambos viajam muito a Paris, onde, aliás, passa-se o divertidíssimo começo do romance. Seguindo as orientações póstumas de Théo, Sofia espalha as cinzas dele por entre túmulos ilustres do cemitério de Montparnasse.
Dali em diante, Pires não perde a mão. Com tino e estilo de escritor de verdade, ordena os cacos de literatura espalhados pelas páginas e cria um romance satírico que só no delírio do autor estaria fadado ao fracasso.

SE UM DE NÓS DOIS MORRER

AUTOR Paulo Roberto Pires
EDITORA Alfaguara
QUANTO R$ 36,90 (124 págs.)
LANÇAMENTO no dia 27/6, às 19h, na livraria Argumento (r. Dias Ferreira, 417, Rio, tel. 0/xx/21/ 2239-5294)


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