São Paulo, Sexta-feira, 25 de Junho de 1999
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A ACUSAÇÃO
Advogado ataca com Pelé, Jango, Otto Lara e "mosaico de indícios"

CASSIANO ELEK MACHADO
Editor-assistente interino da Ilustrada

Márcio Thomaz Bastos, o advogado de acusação do julgamento de Capitu, recebeu a platéia ainda efervescente com o "efeito Rosiska" (leia texto na página ao lado).
Para reverter esse quadro e provar que Capitu se "enleou carnalmente" com Escobar, como definiu o adultério, o ex-presidente da OAB cercou-se de dois artifícios.
O primeiro, que ocupou dois terços de seu discurso de 40 minutos, foi a recapitulação de um "mosaico de indícios" que apontariam a traição de Capitu. O segundo, o de criar uma muralha de nomes de personalidades que já se manifestaram em favor da idéia de que houve o adultério (de Cony a Silvio Romero, passando por Otto Lara Resende e Dalton Trevisan).
Sua argumentação teve como núcleo o fato de Capitu e Escobar "não terem sido pegos na cama", de não ter havido o "flagrante de delegacia", expressão de Lara Resende. Restava, então, mergulhar nos indícios de adultério que Bentinho teria espalhado por toda a extensão de "Dom Casmurro".
"Um indício não prova, mas a soma leva à conclusão inquestionável do adultério de Capitu", disse, em referência ao depoimento da testemunha de defesa Boris Fausto, que reconheceu uma série de indícios, mas defendeu que eles não seriam provas.
Para começar a enumerar os "vestígios que se amalgamam", Bastos toma o mais evidente no romance de Machado de Assis: a semelhança que o "filho" de Capitu e Bentinho (as aspas são do advogado) teria com Escobar. "A similaridade é vista por todas as outras personagens do livro", disse, enfileirando entre essas testemunhas a mãe de Bentinho, a "própria Capitu", José Dias e Bentinho.
Até Pelé entrou na argumentação. "Mesmo sem exame de DNA, conhecemos casos irretorquíveis de semelhança. Basta olhar para um e para o outro. Os casos de Pelé e de Jango, por exemplo, dispensam investigações", disse Bastos, tentando mostrar que Ezequiel seria o fruto de um adultério.
Empenho maior que o gasto para falar sobre as coincidências fisionômicas entre Ezequiel e Escobar o advogado usou apenas para falar a respeito do capítulo 113 do livro, chamado de "Embargos de Terceiro" (título que, segundo Bastos, alude ironicamente a um recurso jurídico, "embargo de terceiro", em que alguém intervém na ação de outrem por ter sido privado de alguma posse).
Nesse trecho, Bentinho conta que só se lembra de ter ido sem Capitu ao teatro duas vezes. Em uma delas, a moça dos "olhos de ressaca" diz que não poderia assistir à estréia de uma ópera pois tinha adoecido. Preocupado com o padecimento da mulher, Bentinho volta mais cedo, após o primeiro ato. Quando chega em casa, encontra Escobar. O amigo explica que tinha ido lá para tratar de alguns negócios urgentes.
Em sua acusação, Bastos dramatizou a situação de modo a demonstrar que a "terrível dor de cabeça" de Capitu, que "logo desaparece", estaria intrinsecamente ligada à visita inesperada de Escobar.
"É uma situação de quase flagrante", explicou o advogado. "Se Bentinho voltasse após o segundo ato da peça, teria uma cena de Nelson Rodrigues", resumiu, aludindo ao desfile inacabável de adultérios na obra do autor carioca.
Bentinho não voltou no segundo ato e quem ameaçou, não com muita seriedade, deixar o julgamento antes que ele terminasse foi o próprio Bastos.
Primeiro disse que Capitu deveria ser absolvida "se não conseguirmos razões que nos levem a essa convicção acima de qualquer dúvida de adultério". Em seguida, deixou escapar a idéia de que não se tratava mesmo de uma "convicção acima de qualquer dúvida".
Com riso nos lábios, o advogado ameaçou: "Se não acreditarmos na palavra de Bentinho, vou embora daqui". Já de olho no veredicto, sentenciou: "Do jeito que as coisas estão se encaminhando, pelo jeito vou ter de ir mesmo".


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