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A ACUSAÇÃO
Advogado ataca com Pelé, Jango, Otto Lara e "mosaico de indícios"
CASSIANO ELEK MACHADO
Editor-assistente interino da Ilustrada
Márcio Thomaz Bastos, o advogado de acusação do julgamento
de Capitu, recebeu a platéia ainda
efervescente com o "efeito Rosiska" (leia texto na página ao lado).
Para reverter esse quadro e provar que Capitu se "enleou carnalmente" com Escobar, como definiu o adultério, o ex-presidente da
OAB cercou-se de dois artifícios.
O primeiro, que ocupou dois terços de seu discurso de 40 minutos,
foi a recapitulação de um "mosaico
de indícios" que apontariam a traição de Capitu. O segundo, o de
criar uma muralha de nomes de
personalidades que já se manifestaram em favor da idéia de que
houve o adultério (de Cony a Silvio
Romero, passando por Otto Lara
Resende e Dalton Trevisan).
Sua argumentação teve como
núcleo o fato de Capitu e Escobar
"não terem sido pegos na cama",
de não ter havido o "flagrante de
delegacia", expressão de Lara Resende. Restava, então, mergulhar
nos indícios de adultério que Bentinho teria espalhado por toda a
extensão de "Dom Casmurro".
"Um indício não prova, mas a soma leva à conclusão inquestionável do adultério de Capitu", disse,
em referência ao depoimento da
testemunha de defesa Boris Fausto, que reconheceu uma série de
indícios, mas defendeu que eles
não seriam provas.
Para começar a enumerar os
"vestígios que se amalgamam",
Bastos toma o mais evidente no romance de Machado de Assis: a semelhança que o "filho" de Capitu e
Bentinho (as aspas são do advogado) teria com Escobar. "A similaridade é vista por todas as outras
personagens do livro", disse, enfileirando entre essas testemunhas a
mãe de Bentinho, a "própria Capitu", José Dias e Bentinho.
Até Pelé entrou na argumentação. "Mesmo sem exame de DNA,
conhecemos casos irretorquíveis
de semelhança. Basta olhar para
um e para o outro. Os casos de Pelé
e de Jango, por exemplo, dispensam investigações", disse Bastos,
tentando mostrar que Ezequiel seria o fruto de um adultério.
Empenho maior que o gasto para
falar sobre as coincidências fisionômicas entre Ezequiel e Escobar o
advogado usou apenas para falar a
respeito do capítulo 113 do livro,
chamado de "Embargos de Terceiro" (título que, segundo Bastos,
alude ironicamente a um recurso
jurídico, "embargo de terceiro",
em que alguém intervém na ação
de outrem por ter sido privado de
alguma posse).
Nesse trecho, Bentinho conta
que só se lembra de ter ido sem Capitu ao teatro duas vezes. Em uma
delas, a moça dos "olhos de ressaca" diz que não poderia assistir à
estréia de uma ópera pois tinha
adoecido. Preocupado com o padecimento da mulher, Bentinho
volta mais cedo, após o primeiro
ato. Quando chega em casa, encontra Escobar. O amigo explica que
tinha ido lá para tratar de alguns
negócios urgentes.
Em sua acusação, Bastos dramatizou a situação de modo a demonstrar que a "terrível dor de cabeça" de Capitu, que "logo desaparece", estaria intrinsecamente ligada à visita inesperada de Escobar.
"É uma situação de quase flagrante", explicou o advogado. "Se
Bentinho voltasse após o segundo
ato da peça, teria uma cena de Nelson Rodrigues", resumiu, aludindo ao desfile inacabável de adultérios na obra do autor carioca.
Bentinho não voltou no segundo
ato e quem ameaçou, não com
muita seriedade, deixar o julgamento antes que ele terminasse foi
o próprio Bastos.
Primeiro disse que Capitu deveria ser absolvida "se não conseguirmos razões que nos levem a essa convicção acima de qualquer
dúvida de adultério". Em seguida,
deixou escapar a idéia de que não
se tratava mesmo de uma "convicção acima de qualquer dúvida".
Com riso nos lábios, o advogado
ameaçou: "Se não acreditarmos na
palavra de Bentinho, vou embora
daqui". Já de olho no veredicto,
sentenciou: "Do jeito que as coisas
estão se encaminhando, pelo jeito
vou ter de ir mesmo".
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