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A DEFESA
"Bentinho é paranóico", argumenta advogada de Capitu
CYNARA MENEZES
da Reportagem Local
Com voz pausada e citando estudiosos estrangeiros de Machado de
Assis, a advogada de defesa, Luiza
Nagib Eluf, levou oito minutos para chegar ao ponto central de sua
argumentação: o adultério de Capitu não passou de paranóia de seu
narrador, Bentinho.
Os olhares que teria dirigido ao
"amante" Escobar morto, no caixão; a semelhança entre este e o filho de Capitu e Bentinho, Ezequiel;
os encontros furtivos que teriam
acontecido entre os dois "adúlteros". Absolutamente toda a suspeita em "Dom Casmurro", para Nagib Eluf, é invenção da mente neurótica do marido ciumento.
"Essa história é milenar. É a história da paranóia masculina", disse a advogada, para êxtase da platéia que vinha acompanhando sua
narrativa com atenção, como se estivesse esperando pelo momento
em que a palavra aparecesse.
O retrato traçado por Luiza Nagib Eluf do marido de Capitu é o de
"um sujeito que construiu sua própria ruína. A semente da destruição mora em Bentinho".
Foi a paranóia que o teria levado
a ver uma confissão de culpa no
comentário da própria Capitu sobre a semelhança dos olhos de Ezequiel com os de Escobar -o que,
disse a advogada, "não seria dissimulação, seria burrice".
Idêntico sentimento norteava,
segundo ela, o sultão das "Mil e
Uma Noites" em seu plano de se
casar todas as noites com uma virgem e matá-la no dia seguinte com
medo de ser traído. "Esse é um elemento que pode ser encontrado na
psicologia de muitos homens."
Para Nagib Eluf, quem deveria
estar sendo julgado ali era o marido Bentinho, por paranóico, neurótico e inseguro que era, "ensandecido de ciúmes, como muitos
homens que mataram suas esposas".
Provocando o advogado de acusação, Márcio Thomaz Bastos,
lembrou que o advogado criminalista havia sido acusador "em casos
ótimos, condenando os assassinos" de cônjuges sob a extinta alegação de legítima defesa da honra.
"Bentinho não é assassino, mas é
quase", argumentou, porque obrigaria a suposta adúltera Capitu a
viver no exílio com um filho que
poderia ser dele, onde morreria
"provavelmente de infelicidade".
"Nem Bentinho tem certeza da
traição. Escreve esse livro apenas
para reforçar para si próprio a certeza de que agiu corretamente. O
fato de ele enxergar no filho a pessoa do amigo é extremamente subjetivo. É parte de sua paranóia."
Mas a estratégia da procuradora
de Justiça não se limitou a apontar
a existência da neurose masculina
em Bentinho como razão suficiente para inocentar Capitu, "uma
moça moderna cuja energia e liberdade são intoleráveis" para o
marido, em citação do inglês John
Gledson, estudioso da obra de Machado de Assis.
Um dos trunfos de Nagib Eluf foi
municiar-se não apenas do livro de
Machado, mas também de farta jurisprudência para mostrar a impossibilidade de condenar Capitu
sem provas concretas.
Em um país onde o adultério ainda é considerado crime passível de
punição, a curiosa jurisprudência
brasileira sobre o tema, que só
existe em latim, de acordo com Nagib Eluf, também causou risos.
"Para a configuração do adultério é necessário que o casal se encontre "solus cum sola in solitudine" (juntos e sozinhos)" , explicou.
"Antigamente, se exigia que estivessem "nudus cum nuda" (homem
nu com a mulher nua), mas hoje
não é mais necessário."
Encontrou ainda um texto legal
que caiu como uma luva no julgamento: para fins penais, a prova do
adultério deve ser positiva e concludente, não bastando comportamento ambíguo -exatamente o
caminho escolhido pelo escritor
para narrar a história.
"Eles leram Machado", comemorou a procuradora, concluindo que
sem prova de conjunção carnal o
julgamento de Capitu estava decidido, novamente em latim: "In dubio pro reo" -na dúvida, a favor
do réu.
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