São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

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MÔNICA BERGAMO

Prefeituráveis no divã

O ex-ministro José Serra (PSDB) parece seduzido pelo pessimismo e dá a impressão de estar cumprindo uma obrigação. Já o ex-prefeito Paulo Maluf (PP) concorre pela enésima vez por ser um "compulsivo", por ser o "incapaz de parar". A prefeita Marta Suplicy (PT) é "exagerada", mas este é um dos elementos do "gozo do poder". E a ex-prefeita Luiza Erundina (PSB) tem "a psiquê dos gerentes".
Em comum, os quatro primeiros colocados (segundo a última pesquisa Datafolha) tinham a corrida à Prefeitura de São Paulo. E, agora, a análise psicológica feita a pedido da Folha pelo psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg, doutor em psicologia, com trabalhos na área de psicologia política. "Não fiz uma análise da personalidade, pois isso seria adivinhação, mas sim do personagem", disse ele.
Goldberg tratou "da figura ou da figuração composta pelos marqueteiros e até pelos próprios políticos". Para ele, não há impedimento ético na tarefa, uma crítica comumente feita. "A ética não só permite esse gênero de análise como até o exige, porque se não é o psicólogo, se não é o sociólogo, o estudioso do comportamento humano que vai auxiliar o eleitor nesse entendimento da figura pública, quem será?"

"A impressão que dá é a de que José Serra está cumprindo um dever e, em determinados instantes, passando uma certa atitude de "desgusting" [de estar repugnado]. Como quando, por exemplo, pega os adesivos que colocam nele e os arranca."

"Embora tenha começado a sua carreira como líder estudantil, presidente da UNE, por isso num processo idealista e sentimental muito forte, com o passar do tempo e com suas experiências acabou fazendo uma opção "low profile" [discreta], que lembra um escoteiro."

"Ele veste o caráter quase beneditino, sacrificial, o sacerdócio. Parece ser seduzido pelo pessimismo. Há um mau humor que eu diria que fica mais presente do que a antipatia alegada por seus opositores."

"Em termos de atitude de potência e impotência do político, Serra fica numa posição embolada entre os dois. É uma daquelas personagens que está sempre com um risco de ficar aquém, ao contrário do Paulo Maluf, que corre o risco de ficar sempre além, até do real."

 
"A Marta Suplicy faz esse novo papel feminino, no qual não tanto no caso do [senador petista] Eduardo Suplicy, [ex-marido], mas muito mais no caso do Luis Favre [atual marido], o consorte é que é obrigado a fazer o papel de rainha-mãe."

"Que personagem é essa que, além de tudo, é psicanalista e deve saber o que está fazendo, que faz um casamento, afrontando, aparentemente, uma porção de estruturas e rigidez de conduta? Numa cidade como essa, ela mantém laços cordiais com o ex-marido, casa com um sujeito que é estrangeiro..."

"A própria indumentária é um caso de organização de aparência. Lembra o escritor Oscar Wilde, que dizia que só as pessoas superficiais não dão importância à aparência. A Marta carrega duro na "gestalt"."

"Quando ela fica numa posição defensiva exagerada e, por ser exagerada, contraproducente, não é gratuito não. É um dos elementos do gozo do poder. Em termos de carisma, faria uma certa deferência para a Marta como "show-woman"."

 
"Luiza Erundina tem muito a ver com uma líder tribal. É uma mulher que tem um histórico a cumprir, até mesmo o histórico de inserção do nordestino em São Paulo. Tem as características e as idiossincrasias do provincianismo. É uma mulher do interior do Brasil, como boa parte da população daqui."

"Diferentemente de Marta e, Maluf, ela não acontece. A Marta, apareça onde aparecer, num velório ou numa festa, mesmo antes de ser candidata, é um evento. O Maluf até cumprimentar paciente de UTI foi. Já a Erundina é o não-happening."

"Sua candidatura é a do acerto de contas feminino, mas que não tem o caráter passional da de Marta, e sim o de contabilidade fria. A sensação que ela dá é a seguinte: lucro e déficit. Ela está ali com lápis vermelho e azul e marcando. É mais pragmática, menos impulsiva."

"Têm a psiquê dos gerentes, a falta de carisma dos gerentes. Basta perguntar para qualquer grande empresário, se tivesse de contratar entre esses quatro um gerente, qual deles seria?"

 
"Paulo Maluf é um caso extremado de onipotência. Se amanhã achar que deve galgar o monte Everest, ele vai sair andando e tentar subir. Se no meio do caminho desistir ou faltar força, vai culpar a montanha."

"Fico até em dúvida se Paulo Maluf quer ser candidato ou se ele está se obrigando a ser candidato por ser uma compulsão, por ser um compulsivo. É a necessidade permanente do moto-contínuo do show. Quer dizer, é o artista que é incapaz de saber o momento de parar."

"Eu o fico imaginando numa situação em que é absolutamente comprovada qualquer acusação em relação a ele. Maluf fica como o personagem de "Alice no País das Maravilhas", o Humpty Dumpty, para o qual as coisas são como ele quer que sejam, as palavras têm o significado que ele quer que tenham."

"Ele se refere a si mesmo como outra pessoa. Diz: "O Maluf construiu esse viaduto". É muito curiosa essa satisfação que ele tem de ser, ao mesmo tempo, o protagonista e o auditório da sua própria biografia."

O DONO DO DIVÃ

Política é tema de psicanalista

Fabiana Beltramin/Folha Imagem
O psicanalista e especialista em psicologia política Jacob Pinheiro Goldberg, em seu consultório, em SP


Em 17 de março de 1985, no auge da crise de saúde de Tancredo Neves, a Folha publicava reportagem com o título: "Psicólogo requer melhor comunicação com o poder". O psicólogo era o mineiro Jacob Pinheiro Goldberg, que já naquela época se dedicava à psicologia política e a às vezes conturbada relação entre os homens de cargos públicos e a sociedade.
Desde então, ele lançou vários livros sobre o assunto, sendo os mais recentes "Monólogo a Dois" (Centro de Estudos da Mentalidade, 2002) e "Cultura e Agressividade" (Landy, 2004).
Nas últimas semanas, a Folha publicou duas análises semelhantes à sua. Na primeira, em 7 de junho, o psiquiatra Jerrold M. Post, que presta serviços à CIA, perfilava líderes mundiais. Na segunda, de 5 de julho, o psiquiatra Justin Frank explicava o que escreveu em seu livro, "Bush on the Couch" (Bush no divã), em que analisa o presidente norte-americano.


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