São Paulo, sábado, 25 de julho de 1998

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RESENHA
Obra aguça, mas não sacia curiosidade

da Reportagem Local

A grande qualidade de "Que Seja em Segredo" é mostrar a mulher que se ocultava sob o hábito da religiosa. Uma mulher sedutora, não apenas bela, mas culta e livre - em ações e pensamentos.
Os poemas obscenos são divertidos, e os românticos, delicados. As freiras se dedicam aos do segundo grupo, embora na maioria dos primeiros sejam acusadas de frias e calculistas, alvo de escárnio dos "freiráticos", que diziam que amá-las era só "para os néscios".
Uma exceção é a troca de insultos entre duas delas, amantes do rei, que entram na disputa pelas atenções do monarca com apelações conhecidas: a atual ironiza a idade da ex ("cristã velha"), a ex alude à condição social da nova preferida ("Que vai muita diferença/ De uma moura ao seu senhor").
Em harmonia com os poemas mais românticos (como a "Ode de Soror Violante do Céu"), o livro tem edição caprichada da carioca Dantes Livraria e Editora, com capa ousada e atraente, e uma fantasia embutida na transparência em tons de dourado que precede a introdução de Ana Miranda.
É como se, a partir daí, ao leitor fosse dada a permissão de penetrar no universo desconhecido dos conventos, atravessando os vãos do locutório como um "freirático" dos séculos 17 e 18 ou qualquer fetichista mais recente.
Mas faltava mais. O texto introdutório de Ana Miranda, muito bom, apenas aguça a curiosidade a respeito, não sacia.
A escritora fala, por exemplo, de correspondências trocadas entre as religiosas e seus admiradores, mas o único exemplar no livro é o texto atribuído a soror Mariana de Alcoforado, a primeira das Cartas Portuguesas.
Um trecho de poema citado na introdução também excita o leitor, que vai buscá-lo com frenesi na antologia, em que não aparece.
"Quando eu estive em vossa cela/ Deitado na vossa cama/ Chupando das vossas tetas", dizem os versos que, por escancarados, podiam ser mostrados em sua íntegra, se havia -segundo Ana Miranda, os poemas obscenos são inúmeros.
As biografias das freiras poetas, ao final do livro, também deixam o leitor com vontade de saber um pouco mais de sua história pessoal. Se não havia vocação, que circunstâncias as levaram aos conventos? Tarefa não muito fácil, reconheça-se.
Enfim, a impressão que se tem é que, apesar de delicioso o livro, foi pouco: mais história e mais poemas talvez pudessem deixar o leitor curioso mais feliz. (CM)



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