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RESENHA
Obra aguça, mas não sacia curiosidade
da Reportagem Local
A grande qualidade de "Que Seja em Segredo" é mostrar a mulher que se ocultava sob o hábito
da religiosa. Uma mulher sedutora, não apenas bela, mas culta e
livre - em ações e pensamentos.
Os poemas obscenos são divertidos, e os românticos, delicados.
As freiras se dedicam aos do segundo grupo, embora na maioria
dos primeiros sejam acusadas de
frias e calculistas, alvo de escárnio
dos "freiráticos", que diziam que
amá-las era só "para os néscios".
Uma exceção é a troca de insultos entre duas delas, amantes do
rei, que entram na disputa pelas
atenções do monarca com apelações conhecidas: a atual ironiza a
idade da ex ("cristã velha"), a ex
alude à condição social da nova
preferida ("Que vai muita diferença/ De uma moura ao seu senhor").
Em harmonia com os poemas
mais românticos (como a "Ode
de Soror Violante do Céu"), o livro tem edição caprichada da carioca Dantes Livraria e Editora,
com capa ousada e atraente, e uma
fantasia embutida na transparência em tons de dourado que precede a introdução de Ana Miranda.
É como se, a partir daí, ao leitor
fosse dada a permissão de penetrar no universo desconhecido dos
conventos, atravessando os vãos
do locutório como um "freirático" dos séculos 17 e 18 ou qualquer fetichista mais recente.
Mas faltava mais. O texto introdutório de Ana Miranda, muito
bom, apenas aguça a curiosidade a
respeito, não sacia.
A escritora fala, por exemplo, de
correspondências trocadas entre
as religiosas e seus admiradores,
mas o único exemplar no livro é o
texto atribuído a soror Mariana de
Alcoforado, a primeira das Cartas
Portuguesas.
Um trecho de poema citado na
introdução também excita o leitor, que vai buscá-lo com frenesi
na antologia, em que não aparece.
"Quando eu estive em vossa cela/ Deitado na vossa cama/ Chupando das vossas tetas", dizem os
versos que, por escancarados, podiam ser mostrados em sua íntegra, se havia -segundo Ana Miranda, os poemas obscenos são
inúmeros.
As biografias das freiras poetas,
ao final do livro, também deixam
o leitor com vontade de saber um
pouco mais de sua história pessoal. Se não havia vocação, que
circunstâncias as levaram aos conventos? Tarefa não muito fácil, reconheça-se.
Enfim, a impressão que se tem é
que, apesar de delicioso o livro, foi
pouco: mais história e mais poemas talvez pudessem deixar o leitor curioso mais feliz.
(CM)
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