São Paulo, terça-feira, 25 de agosto de 2009

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Músico vê "imbecilização" da indústria cultural

Flo Menezes, que conheceu Stockhausen, diz que o novo é "inesgotável"

Crítico de Villa-Lobos, o músico que já compôs para a Osesp lança livros teóricos em defesa da radicalidade criativa e do "novo"

JOSÉ ORENSTEIN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ele faz música eletrônica e eletroacústica, mas não é DJ nem seguidor de Gilberto Gil. Longe disso. Como diz o próprio compositor paulistano Flo Menezes, parafraseando o cantor popular, "cada macaco no seu galho". E a sua árvore, no caso, finca raízes num outro terreno: o da música erudita experimental.
Aos 47 anos, ele acaba de relançar a coletânea de ensaios "Música Eletroacústica - Histórias e Estéticas" (Edusp, R$ 98), traduziu artigos do compositor e seu professor Henri Pousseur, "A Apoteose de Rameau" (Edunesp, R$ 84) e se diz "cada vez mais intolerante com a música" - do passado ou do presente.
O termo eletroacústico a que ele se refere no livro tem como marco inicial os experimentos musicais realizados paralelamente na França e na Alemanha a partir das décadas de 50 e 60, quando elementos sonoros eram gravados ou sintetizados e então trabalhados e reproduzidos em novo tecido musical.
E se desde o berço esteve propenso à radicalidade e à experimentação (seu pai, Florivaldo Menezes, de quem herdou o nome, era poeta ligado ao concretismo paulista), sua filiação artística é também muito clara: aqueles mesmos europeus que impulsionaram a vanguarda no século passado e com alguns dos quais chegou a ter contato, como Stockhausen, Boulez, Berio e Pousseur.

Sem concessões
Enquanto a música eletrônica de apelo popular começava a embalar pistas em todo o mundo na década de 80, Flo Menezes estudava composição na USP com Willy Corrêa, para depois seguir para a Alemanha. Mas ele logo avisa, "a música dos DJ's não tem nada a ver com o que faço. A única coisa comum é o uso da eletricidade gerando sons. São opostas".
O compositor diz só ouvir "música popular quando é forçado". E diz estar perplexo com a atual "a agudização do processo de imbecilização do que Adorno caracterizou muito bem como indústria cultural".
Na sua busca pela obra de arte complexa, ele despreza soluções híbridas, que misturam erudito e popular e "lhe causam arrepios", e rejeita a música de inspiração regional ou nacionalista. Até Villa-Lobos entra na sua mira. "Um cara que tem 300 obras, das quais 8 são muito interessantes, e o resto você pode espremer e jogar no lixo -é complicado você dizer que é um deus da música."
O tonalismo por sua vez, se ainda é por vezes a trilha sonora de seu carro no trânsito paulistano rumo à Unesp (Universidade Estadual Paulista)-onde é professor e chefe do departamento de música-, "não faz sentido senão como referência" para seu trabalho diuturno de compositor.
Mas não seria essa sua música radical um tanto hermética? Flo Menezes não titubeia: "chamar de hermetismo é uma visão limitada do grau de profundidade que se atinge com a radicalidade dessa arte". E prossegue: "Meus concertos são cada vez mais respeitados e causam arrebatamento cada vez mais geral. Isso por uma absoluta falta de concessão nos níveis estético e técnico. Não admito o precário".
Em 2007, a Osesp executou a primeira audição mundial dos 24 minutos de "Crase", peça composta especialmente por Menezes. Mas, apesar de considerar a Osesp um exemplo, "um marco absolutamente fundamental" (e lamentar a saída de John Neschling), Menezes reclama do pouco espaço dado no Brasil aos contemporâneos.
"Há no país uma concepção muito careta da parte do músico com relação a musica contemporânea. Ele tem medo do novo." A busca do novo, afinal, é o que norteia Flo Menezes e o coloca na vanguarda, que, para ele, "não morreu, porque vanguarda é estar na frente impulsionando a pesquisa, transgredindo, inovando".
Menezes diz compor "para a posteridade" e estar "contribuindo para uma mudança de página na música brasileira". Ao se expor a riscos e erros, diz que pretende "apontar caminhos interessantes que fujam da música de mercado". Na direção do Studio Panaroma na Unesp (nome inspirado em "Finnegan's Wake" de James Joyce) ele forma novas gerações de músicos que procuram o percurso experimental.
No pelotão de frente da criação e da especulação na música -que classifica como "matemática dos afetos"-, Menezes não dá sinais de cansaço. "O novo é inesgotável. O que é esgotável é o velho. Só é preciso ter o pique para achar: ter o pique da invenção."

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