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CRÍTICA DRAMA
"Com Quem Fica o Coração" configura criação antológica
Entre a comédia e a miséria humana, peça reflete maturidade de Paroni de Castro
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
O teatro de feira como
grande arte. "Com Quem Fica
o Coração", do Atelier de Manufactura Suspeita, tem a
despretensão de divertir com
recursos do Grand Guignol,
mas realiza um inventivo
diálogo com a cena contemporânea, pondo em tensão os
limites entre o real e a ilusão.
O Grand Guignol é um gênero popular na França, que
nasce no fim do século 19 em
um pequeno teatro de Paris,
como radicalização do drama naturalista, ousando trazer ao palco as figuras e o linguajar de prostitutas e de criminosos vulgares.
Ao longo do século 20, e
até a década de 1960, aquele
espaço foi se tornando cada
vez mais uma casa de horrores, aonde se ia para ver sangue e cabeças rolarem.
A encenação criada por
Maurício Paroni de Castro
parte dessas referências para
extrapolar muito além dos
efeitos especiais verossimilhantes, característicos daquela tradição e herdados e
banalizados pelo cinema de
terror hollywoodiano.
Prefere fabular, em registro aparentemente cômico, o
grotesco de uma sanguinária
dissecação de cadáver.
Como parte essencial da
proposta, destaca-se a precariedade cênica e o tom casual
dos atores. Ele se manifesta
principalmente no trabalho
de Carlos Meceni, gloriosamente retornando à cena
com interpretação virtuosa.
Como o cirurgião corrupto
que comercia órgãos, ele sustenta toda a ação dramática
com fala mansa e a sugestão
incisiva de uma contínua
manipulação, invisível ao
público, por meio de bisturis
e algodões sangrentos.
Ao seu lado, o assistente,
com perturbações mentais típicas dos personagens do
Grand Guignol acometidos
pela loucura. Josué Torres
compõe com precisão o moço
influenciado por um pastor
evangélico e dividido entre
as autópsias e a religião.
Terceiro elemento da trama, Janine Corrêa cumpre a
difícil tarefa de encarnar a alma da mulher morta que está
sendo dissecada. Ela está jogada na cena, de pé ao lado
da mesa onde seus ossos estão sendo serrados. Nessa situação pouco confortável, a
atriz se sustenta no implausível, desempenhando convicta uma crente devassa.
Criação coletiva, tributária
grandemente dos atores e de
sua capacidade de construir
uma ficção potente com um
mínimo de recursos, o trabalho reflete também a maturidade de Paroni de Castro como dramaturgo e encenador.
Operando numa linha tênue entre a comédia e a miséria humana, o Atelier de Manufactura Suspeita concretiza uma criação antológica.
COM QUEM FICA O CORAÇÃO
QUANDO qui., às 21h30
ONDE teatro Ruth Escobar
(r. dos Ingleses, 209,
tel. 0/xx/11/ 3289-2358)
QUANTO R$ 30
CLASSIFICAÇÃO não informada
AVALIAÇÃO ótimo
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