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LITERATURA
"Agora entendo melhor os escritores", diz editor da Companhia das Letras, que lança seu 1º livro
Schwarcz faz "quase memórias" de goleiro
MATINAS SUZUKI JR.
da Equipe de Articulistas
Aos poucos, o futebol vem ganhando densidade suficiente para
ser reconhecido como um binóculo que aproxima a memória do
relato literário.
No caso do primeiro livro do
editor Luiz Schwarcz, proprietário da Companhia das Letras, as
recordações do filho único que
também era goleiro clandestino
servem de tiro de meta para se
chegar às experiências mais inclusivas (o horror da guerra e a maneira como ela virou a bússola da
vida de seus pais, por exemplo).
Na verdade, "Minha Vida de
Goleiro" trata de uma "quase memória", pois ela é uma espécie de
medo do goleiro diante do desconhecimento do passado do pai
(um húngaro que foi jogado do
trem que o levaria ao campo de
concentração, que fez bicos na Cinecittá, mas que só relatou ao filho a sua passagem pela guerra
uma única vez).
A narrativa é curta, bem escrita
e flui tão naturalmente entre a recordação pessoal e o que serve como vivência coletiva que o livro é
e não é para crianças... e também
não é e é para adultos.
Folha - O livro é uma decisão
de campeonato entre a sua memória e a quase não-memória
de seu pai. Por que ele precisou
ser escrito?
Luiz Schwarcz - A primeira
idéia foi escrever um livro sobre
meu pai. Eu fui a Budapeste e vi o
lugar onde ele morava e imaginei
um romance sobre um filho que
não sabe a história do pai. No ano
passado, em setembro, eu tive
uma crise de melancolia e comecei a escrever para os meus filhos
a história do meu pai. Eu ia escrevendo e mostrando para a Lili (a
historiadora Lilian Moritz
Schwarcz, sua mulher e diretora
da Companhia das Letrinhas, a
divisão infantil da Companhia
das Letras) que, no final, achou
que cabia na coleção Memória e
História.
Quando levei o livro para o meu
pai -e antes de ele me dizer o que
tinha achado- eu comecei a
achar que tinha sido um erro revelar a sua história, que ele me
contou uma vez e nunca mais voltou ao assunto. Depois eu vi que a
reação dele foi boa, que ele ficou
muito emocionado.
Folha - Mas por que tomar justamente a sua vida de goleiro
como ponto de partida?
Schwarcz - Eu não sei, mas
quando eu comecei a pensar na
minha infância eu me lembrei de
estar, sozinho, dentro do nosso
apartamento, jogando a bola contra a parede e pulando para defender. O futebol estava no centro da
minha infância, eu ia ao Pacaembu todas as quartas, sábados e domingos, e continua no centro da
minha vida.
Folha - É muito interessante
porque, na Inglaterra, a partir
do sucesso do livro "Fever
Pitch", de Nick Hornby, floresce
uma literatura de memórias infantis e adolescentes desfiadas
a partir da experiência com futebol.
Schwarcz - Eu conheço o Nick
Hornby, mas não conheço esse livro, que eu vou procurar ler.
Quem ler o meu livro verá que o
fato de eu contar para o meu pai
que eu era um goleiro clandestino, escondido dele, foi muito importante para a minha vida, foi
um gesto de destemor. O futebol,
no livro, é a metáfora que une os
fatos da minha memória infantil.
Folha - Grandes escritores como o Nabokov e o Camus foram
goleiros. Peter Handke escreveu
"O Medo do Goleiro Diante do
Pênalti", que depois foi filmado
pelo Wim Wenders. O Rafael Alberti tem um poema memorável, "Oda a Platko", dedicado ao
"osso louro da Hungria" que jogou na Espanha. Por que essa
predileção dos literatos pelo goleiro?
Schwarcz - Eu acho que a solidão do goleiro deve ser o que fascina mais os escritores. De certa
forma, você não escolhe, você é
escolhido pela solidão e pela posição de goleiro. Eu acabei goleiro
porque tive uma infância muito
solitária.
O goleiro tem um olhar diferenciado dos outros jogadores e dos
torcedores, porque ele é o único
que participa e não participa do
jogo ao mesmo tempo. O curioso
é que um dos escritores que mais
marcou a minha vida foi justamente o Camus de "O Estrangeiro". E eu só vim a saber muito depois que ele tinha sido goleiro.
Folha - Quais são os grandes
goleiros que você viu jogar?
Schwarcz - Eu cheguei a ver o
Gilmar quando eu era pequeno.
Mas o goleiro que mais me marcou foi o Cejas, que jogou no Santos. Ele era um goleiro que tinha
uma certa graça. Era grande, elegante, tinha uma certa ironia no
olhar. Essa ironia chegava ao ponto de ele não se exibir, de não valorizar a ponte ou a defesa mais
acrobática. O que ficava não era o
salto acrobático, mas o tapinha final na bola. Ele era enorme, mas
minimalista.
Folha - O goleiro tem a chave
do céu ou do inferno. Ele guarda
a chamada "linha fatal", a linha
da vida ou da morte, da alegria
ou da tristeza.
Schwarcz - O goleiro só aparece
em jogo para glória ou para a desgraça. Uma das coisas que marca
o goleiro, além da solidão, é a responsabilidade. Ele resolveu assumir toda a responsabilidade.
Folha - Há algum paralelo entre a sua vida de goleiro e a vida
de editor?
Schwarcz - Eu fui jogar futebol
por prazer e por alegria, e foi por
prazer que eu fui trabalhar com a
literatura. Eu sou o único herdeiro dos negócios da minha família,
a empresa não tem continuidade
sem a minha pessoa, e eu preferi
optar pelo meu prazer. Um prazer
que eu tinha ao jogar futebol todos os dias.
Folha - Para um editor é muito
difícil escrever o seu primeiro livro?
Schwarcz - Eu fiquei pensando
se eu demorei quatro meses para
escrever este livro, que foi o tempo que eu levei redigindo, ou se
ele levou 21 anos, que é o tempo
que eu trabalho com livros, para
ser escrito, ou se levou a vida toda
para ser escrito. Eu acho que a
vontade de escrever estava em
mim há muito tempo, mas eu
sempre pensava que não tinha talento nem tempo para suplantar a
falta de talento.
Agora eu estou vivendo as mesmas angústias que os autores da
Companhia da Letras vivem. Estou entendendo melhor os escritores.
Matinas Suzuki Jr. é diretor editorial-adjunto
da Abril S/A.
Livro: Minha Vida de Goleiro
Autor: Luiz Schwarcz
Ilustrações: Maria Eugênia
Lançamento: Companhia das Letrinhas
Quando: hoje, às 19h
Onde: Livraria da Vila (r. Fradique
Coutinho, 915, tel. 0/xx/11/814-5811)
Quanto: R$ 16,50 (48 págs.)
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