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MEMÓRIA
Villa-Lobos não separou o erudito do popular
GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
Em 1959, há 40 anos, morria
Heitor Villa-Lobos, o gênio brasileiro da música no século 20, que
em muitos aspectos supera Stravinsky, porque incorpora a sonoridade da floresta tropical.
Nacionalista, apaixonado pelo
folclore, Villa-Lobos foi do popular corta-jaca ao vanguardismo
dos "Choros" feitos em Paris, depois de conviver proficuamente
com o estilo Debussy.
Antes da Semana de 22, o compositor já estava antenado na pesquisa formal da modernidade. A
década de 30 abriu-lhe a perspectiva do civismo e da política, sendo o porta-voz orfeônico de Getúlio Vargas, motivo pelo qual até
hoje é criticado de modo leviano
por causa do "autoritarismo" ou
do "populismo" do Estado Novo.
Bobagem acusá-lo de instrumentalizar a música em função do patriotismo ou do nacionalismo advindo com a Revolução de 30.
Trata-se da visão udenoianquizada sobre a música brasileira.
Quanto à leitura política da estética villalobiana, estou inteiramente de acordo com Glauber
Rocha ao dizer que o compositor
ouviu o desejo do povo. Sem querer desagradar aos fãs e curtidores
da bossa nova, mas esta não deu
colher de chá para o legado villalobiano, a despeito das bicadas de
Antônio Carlos Jobim, que no decurso do tempo mimetizava cada
vez mais os gestos e cacoetes do
compositor getuliano.
Coincidência: no ano de 1959,
em que morre Villa-Lobos, aparece o elepê "Chega de Saudade", de
João Gilberto, como se a palavra
de ordem naquele momento fosse
banir o sentimento de saudade
em relação ao folclore e ao nacionalismo musical villalobianos.
Discordo da opinião de que Villa-Lobos despintou da bossa nova em decorrência da separação
entre o erudito e o popular, pois
tal separação não existe na obra
villalobiana. Destarte, o folclore
no Brasil é a síntese da experiência erudita e popular, conforme
mostrou Luis da Câmara Cascudo.
A "jotakamiusiki bossanovista", expressão da Cepal, do petróleo e da gasolina, em que aparece
a idéia de que nós temos fartura
de matéria-prima, mas carecemos de importar tecnologia do
exterior, contrasta com a cosmogonia da energia tropical de Villa-Lobos, a sinfonia andrógina do
encontro do sol, da água e do vegetal. É por isso que o Eros energético villalobiano se nutre da "vitória do amor nos trópicos", em
busca da Índia gigante, como disse Piedade Carvalho em seu belíssimo livro sobre Villa Lobos, "Do
Crepúsculo à Alvorada", enquanto a bossa nova é a epifania iê-iê-iê
e pré-tropicália do carrão do Roberto Carlos com a sua baby cheirando a gasolina.
Gilberto Felisberto Vasconcellos, 50, é
professor de ciências sociais na Universidade
Federal de Juiz de Fora (MG), autor de "O
Príncipe da Moeda" (Espaço e Tempo), entre
outros.
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