São Paulo, Sábado, 25 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LITERATURA

"A Star Called Henry" usa a saga de personagem nascido em 1901 para mostrar o século na Irlanda

Doyle (re)conta a história irlandesa

SYLVIA COLOMBO
de Londres

Segundo uma velha lenda da Irlanda, cada estrela no céu corresponde a uma criança que morreu. Em "A Star Called Henry", o escritor irlandês Roddy Doyle conta a história de um garoto dos subúrbios de Dublin que tem como referência e grande trauma de sua vida a morte de vários irmãos mais novos, um deles com o mesmo nome que ele, Henry.
"A Star Called Henry" (Uma Estrela Chamada Henry) é o sexto romance de Roddy Doyle, 41, vencedor do Booker Prize, a mais importante premiação literária do Reino Unido, em 93, por "Paddy Clarke Ha, Ha, Ha".
Três de seus livros tiveram adaptações cinematográficas. "The Snapper" e "O Furgão" chegaram à grande tela dirigidos por Stephen Frears enquanto "The Commitments", filme que jogou luz ao nome de Roddy Doyle, teve a direção de Alan Parker.
Em "A Star Called Henry", Doyle reafirma seu compromisso em retratar o espírito irlandês, já demonstrado em seus outros romances, sempre vividos por figuras urbanas em busca de identidade e de solução para a pobreza, vagando na marginalidade, entre a bebida e a desilusão.
A tarefa agora é bem mais séria. "A Star Called Henry" é o primeiro livro de uma trilogia. Trata-se de um drama histórico, em que o protagonista nasce em 1901 e irá presenciar todos os acontecimentos políticos e sociais irlandeses ao longo do século 20.
"Eu gosto da idéia, que hoje está fora de moda, de acompanhar a história de um personagem desde seu nascimento até sua morte, como uma saga familiar que tem os acontecimentos maiores do país em que se passa a ação como um pano de fundo", disse Doyle ao jornal "The Guardian".
"A Star Called Henry" se passa nos anos 10 e 20, período em que a Irlanda viveu as lutas para tornar-se independente do Reino Unido.
Henry é um dos filhos de uma família pobre cujo chefe é um assassino de aluguel que não tem uma das pernas. Aos 9 anos, torna-se um pequeno bandido que ganha a vida batendo carteiras pelas ruas de Dublin. Com a morte dos pais, sozinho e desamparado, junta-se à milícia revolucionária Irish Citizen's Army na luta pela independência.
Ao lado dessa milícia, Henry participa do Levante da Páscoa, em 1916, contra o domínio britânico. Sobrevivendo à batalha, a "carreira" de Henry desponta e ele se torna um dos mais destacados oficiais revolucionários.
Assim, Henry encontra uma proposta para sua vida. O ato de matar ganha uma justificativa e Henry, pela primeira vez, ganha reconhecimento social. O soldado é uma verdadeira estrela nesse mundo, reflete a "estrela Henry", seu irmão morto ao nascer.
Suas incursões pelo interior do país são uma aventura, treinando com grupos de guerrilheiros, matando ingleses e se envolvendo sexualmente com as camponesas.
Depois da conquista da independência, porém, Henry percebe que a situação pela qual lutou não é muito melhor do que a que ele ajudou a destruir. Logo se dá conta que continuará sendo um excluído na nova Irlanda.
Henry percebe então que seu destino é igual ao do pai: o de se tornar apenas um assassino sem uma justificativa. Começa então a envelhecer, carregando consigo o impasse sobre sua identidade e a de seu país. "Quero trazer a realidade daquela violência, não tentei glamourizá-la. Queria afastar o quadro inocente que me foi apresentado na infância sobre esse período, onde haviam os bons e os maus. Tentei mostrar todos como seres humanos", disse ao "The New York Times".
Os próximos dois livros acompanharão Henry até os dias de hoje e devem abarcar o cenário político da atual República da Irlanda, que tenta estabelecer uma nova convivência política com a Irlanda do Norte e resolver o conflito entre protestantes e católicos.
"Quem não está familiarizado com a história irlandesa vai ficar se perguntando o que realmente aconteceu. Mas o livro tem a intenção de mostrar como o período foi vivido e sentido pelas pessoas. Lições de história estão em segundo plano, mesmo porque a ficção faz má história", diz Doyle.


Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Joyce Pascowitch
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.