São Paulo, quarta-feira, 25 de setembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TEATRO

Aos 75 anos, atriz que foi casada com Sérgio Cardoso publica sua autobiografia, escrita ao longo de uma década

Nydia Licia exorciza "fantasmas" em livro

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Era para circular apenas entre familiares e amigos. Vinte cópias encapadas sobre azul. Havia resistência em se expor, em trazer "certas coisas" a público. "Detesto livro que fala mal de fulano e sicrano", avisa Nydia Licia.
Os papéis da memória caíram nas mãos do crítico Sábato Magaldi e do editor Jacó Guinsburg. Impressão compartilhada pelos demais privilegiados, eles logo se empenharam em convencê-la a publicar a autobiografia pelo testemunho histórico do teatro paulista conjugado ao viés pessoal.
É assim que um projeto escrito ao longo de uma década finalmente vem à luz. Aos 75 anos, a atriz Nydia Licia, que foi casada com Sérgio Cardoso, um mito do teatro brasileiro, lança na próxima segunda-feira, em São Paulo, "Ninguém se Livra de Seus Fantasmas" (ed. Perspectiva).
Maledicências não há na narrativa dessa mulher que se diz capaz de contemplar as folhas de uma árvore por minutos a fio, como o faz no jardim de casa. "O verde me dá uma sensação de aconchego, sinto-me defendida pela natureza", explica.
Nydia fala mansamente, como convém a uma educadora da pronúncia do texto teatral, ofício ao qual se dedica com mais afinco nos últimos 20 anos.
Os "fantasmas" da autobiografia são, em sua maioria, os personagens que interpretou na carreira. Eles vêm à tona sobretudo num dia de agosto de 1970, quando a atriz está sozinha no teatro Bela Vista e se "despede" do espaço que havia aberto 14 anos atrás com Sérgio Cardoso.
Em 1956, a Cia. Nydia Licia-Sérgio Cardoso estréia o primeiro "Hamlet" profissional da cidade num prédio da r. Conselheiro Ramalho, antigo cine-teatro Espéria e atual teatro Sérgio Cardoso (entrada pela rua Rui Barbosa).
Após embate jurídico que se arrasta por anos, Nydia entrega o Bela Vista aos seus proprietários, em 1970. A rigor, corresponde ao período em que mais atua no palco. "Mas eu nunca me afastei. Sempre me considerei mais uma mulher de teatro do que uma atriz. Meu amor é pelo teatro", afirma à Folha.
Está no final do livro a passagem em que vai aos prantos ao representar solilóquios num teatro vazio. Na outra ponta, a atriz rememora a infância em Trieste, na Itália ("Nasci de oito meses, feia e amarela"); as primeiras árias românticas e operetas que assistia com os pais e o irmão; as agruras da campanha anti-semita de Mussolini e o inevitável embarque da família judia para o Brasil, em 1939, aos 13 anos, completados a bordo do navio Neptúnia.
Em São Paulo, estuda canto, trabalha no consulado italiano e, em 1947, é escolhida assistente de Pietro Maria Bardi quando o embrião do Museu de Arte de São Paulo fica na rua Sete de Abril.
A estréia "oficial" acontece em agosto de 1948, em pleno Municipal, como a filha reprimida de "À Margem da Vida", de Tennessee Williams, dirigida por Alfredo Mesquita. O que pensava ser "uma realização a mais", como o foram o canto, a pintura e a dança, sempre sob influência da mãe, determina seu futuro.
Em seguida, substituiu Cacilda Becker em "Nick Bar", de William Saroyan, na encenação de Adolfo Celi para o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Cacilda estava no quinto mês de gravidez e afastou-se por uma semana.
Nydia é convidada para atuar no Rio e, desde então, apruma a carreira. Trabalha com Ruggero Jacobbi, com Ziembinski; indispõe-se com Flamínio Bollini (que resistia em lhe dar algum papel de protagonista); faz uma ou outra telenovela e se ocupa principalmente como dona do teatro Bela Vista, que protege com a força de uma das heroínas de "Os Últimos Dias de Pompéia", de Bulwer-Lytton, romance que sua mãe lia durante sua gravidez.


NINGUÉM SE LIVRA DE SEUS FANTASMAS. De: Nydia Licia. Editora: Perspectiva. Quanto: R$ 50 (446 págs.). Lançamento: dia 30/9 (seg.), às 18h30. Onde: Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, SP, tel.0/xx/11/3285-4033).



Texto Anterior: Outra Frequência: "Pânico" na TV deixa rádio em dilema
Próximo Texto: Trecho
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.