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TEATRO
Aos 75 anos, atriz que foi casada com Sérgio Cardoso publica sua autobiografia, escrita ao longo de uma década
Nydia Licia exorciza "fantasmas" em livro
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Era para circular apenas entre
familiares e amigos. Vinte cópias
encapadas sobre azul. Havia resistência em se expor, em trazer
"certas coisas" a público. "Detesto
livro que fala mal de fulano e sicrano", avisa Nydia Licia.
Os papéis da memória caíram
nas mãos do crítico Sábato Magaldi e do editor Jacó Guinsburg.
Impressão compartilhada pelos
demais privilegiados, eles logo se
empenharam em convencê-la a
publicar a autobiografia pelo testemunho histórico do teatro paulista conjugado ao viés pessoal.
É assim que um projeto escrito
ao longo de uma década finalmente vem à luz. Aos 75 anos, a
atriz Nydia Licia, que foi casada
com Sérgio Cardoso, um mito do
teatro brasileiro, lança na próxima segunda-feira, em São Paulo,
"Ninguém se Livra de Seus Fantasmas" (ed. Perspectiva).
Maledicências não há na narrativa dessa mulher que se diz capaz
de contemplar as folhas de uma
árvore por minutos a fio, como o
faz no jardim de casa. "O verde
me dá uma sensação de aconchego, sinto-me defendida pela natureza", explica.
Nydia fala mansamente, como
convém a uma educadora da pronúncia do texto teatral, ofício ao
qual se dedica com mais afinco
nos últimos 20 anos.
Os "fantasmas" da autobiografia são, em sua maioria, os personagens que interpretou na carreira. Eles vêm à tona sobretudo
num dia de agosto de 1970, quando a atriz está sozinha no teatro
Bela Vista e se "despede" do espaço que havia aberto 14 anos atrás
com Sérgio Cardoso.
Em 1956, a Cia. Nydia Licia-Sérgio Cardoso estréia o primeiro
"Hamlet" profissional da cidade
num prédio da r. Conselheiro Ramalho, antigo cine-teatro Espéria
e atual teatro Sérgio Cardoso (entrada pela rua Rui Barbosa).
Após embate jurídico que se arrasta por anos, Nydia entrega o
Bela Vista aos seus proprietários,
em 1970. A rigor, corresponde ao
período em que mais atua no palco. "Mas eu nunca me afastei.
Sempre me considerei mais uma
mulher de teatro do que uma
atriz. Meu amor é pelo teatro",
afirma à Folha.
Está no final do livro a passagem em que vai aos prantos ao representar solilóquios num teatro
vazio. Na outra ponta, a atriz rememora a infância em Trieste, na
Itália ("Nasci de oito meses, feia e
amarela"); as primeiras árias românticas e operetas que assistia
com os pais e o irmão; as agruras
da campanha anti-semita de
Mussolini e o inevitável embarque da família judia para o Brasil,
em 1939, aos 13 anos, completados a bordo do navio Neptúnia.
Em São Paulo, estuda canto, trabalha no consulado italiano e, em
1947, é escolhida assistente de Pietro Maria Bardi quando o embrião do Museu de Arte de São
Paulo fica na rua Sete de Abril.
A estréia "oficial" acontece em
agosto de 1948, em pleno Municipal, como a filha reprimida de "À
Margem da Vida", de Tennessee
Williams, dirigida por Alfredo
Mesquita. O que pensava ser
"uma realização a mais", como o
foram o canto, a pintura e a dança, sempre sob influência da mãe,
determina seu futuro.
Em seguida, substituiu Cacilda
Becker em "Nick Bar", de William
Saroyan, na encenação de Adolfo
Celi para o Teatro Brasileiro de
Comédia (TBC). Cacilda estava
no quinto mês de gravidez e afastou-se por uma semana.
Nydia é convidada para atuar
no Rio e, desde então, apruma a
carreira. Trabalha com Ruggero
Jacobbi, com Ziembinski; indispõe-se com Flamínio Bollini (que
resistia em lhe dar algum papel de
protagonista); faz uma ou outra
telenovela e se ocupa principalmente como dona do teatro Bela
Vista, que protege com a força de
uma das heroínas de "Os Últimos
Dias de Pompéia", de Bulwer-Lytton, romance que sua mãe lia
durante sua gravidez.
NINGUÉM SE LIVRA DE SEUS
FANTASMAS. De: Nydia Licia. Editora:
Perspectiva. Quanto: R$ 50 (446 págs.).
Lançamento: dia 30/9 (seg.), às 18h30.
Onde: Livraria Cultura (av. Paulista,
2.073, SP, tel.0/xx/11/3285-4033).
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