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"TODAS AS CASAS"
Ficção-memória reconstrói o passado e suas moradas
WILSON BUENO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Introduzido por uma oportuna epígrafe do inglês G.K.
Chesterton que remete ao coração das casas e das coisas, o escritor Roberto Gomes, 59, autor, entre outros, do já clássico "Crítica
da Razão Tupiniquim", (12ª edição, em 2001), está com novo livro na praça, "Todas as Casas".
Um misto de memória e romance, tendo como ponto de
partida as casas nas quais viveu
em sua cidade de origem, Blumenau -daquela que o abrigou recém-nascido à que assistiu aos arroubos de sua incipiente maioridade.
As casas, aqui, diga-se logo, não
constituem meros espaços cênicos destinados ao papel de "suporte" das viagens romanesco-memorialísticas do autor. Pelo
contrário, interagem o tempo todo com as inúmeras histórias (e
estórias), criando e sendo criadas
por elas; casas por onde o tempo
passa esmagado, muitas vezes,
pelos longo silêncios da incurável
província e, outras, pela alegria
modesta com que a vida vai se fazendo.
Quadros bucólicos, quase pastoris, de uma cidade e de uma
existência que começa, para o romance e para o autor, em 1944, e
segue até o que se supõe seja o
ano de 1962, com a primeira paixão erótico-amorosa e o desencadeamento de outras paixões ainda mais contundentes, sobretudo
pela literatura, além da exasperação diante do desmoronamento
das primeiras ilusões.
Possivelmente esteja aí o maior
mérito deste livro de Roberto Gomes ao conceber um "romance
de formação" -poupou-se, e ao
leitor sobretudo, do tatibitate enfadonho de uma memorialística
não raro precoce e que faz, muitas
vezes, a delícia de autores apressados e equivocadamente convencidos do aparente funambulismo de suas próprias biografias.
Roberto Gomes, não: urdiu, casa a casa, a "construção" de uma
vida, seus planos de fuga e compasso. "Bildungsroman", sim,
por que não? Embora, no livro,
mesmo ao fim de sua particularíssima fabulação, a vida, ainda
rigorosamente incompleta, se
abra para os acidentes do destino
com uma imprevisibilidade de
raiz.
As 12 casas que compõem este
"Todas as Casas" refletem, como
num insidioso espelho, o acidentado transcorrer dos primeiros 18
anos de vida do narrador. Dispensável, aliás, a localização precisa do sujeito da narrativa. O que
vale aqui são as casas, todas as casas fundando a sucessão da vida e
marcando, de modo indelével, o
seu ritmo.
Paralela à reconstrução memoriosa e memorável destas casas,
ao menos duas importantes décadas da vida nacional (os anos 40 e
50), são recuperadas, com intensa
verve e não menor malícia, pelo
autor.
Assim, não ficam de fora, casa a
casa, rua a rua desta Blumenau
arquetípica, entre outras, os alemães imigrados ao Brasil vítimas
da germanofobia provocada pela
Segunda Guerra; os filmes americanos invadindo os pequenos cinemas do interior; os Buicks retardatários e os Chevrolets último
tipo; a caneta Parker 51; a furiosa
linotipia dos pasquins municipais; o rádio, glorioso triunfo das
casas d'antanho; os primeiros LPs
e os primeiros Elvis Presley.
O tempo passou? As casas do escritor Roberto Gomes que o digam; e elas dizem bem da sucessão dos dias e dos anos em nós,
tocados deste quase etéreo encanto com que um homem escritor,
ou não, reinventa o passado. Sobretudo se lhe move a mão o indisfarçável amor à poesia.
Wilson Bueno, escritor, é autor, entre
outros livros, de "Meu Tio Roseno, A Cavalo" (editora 34) e de "Amar-te a Ti nem
Sei se com Carícias" (ed. Planeta).
Todas as Casas
Autor: Roberto Gomes
Editora: Criar Edições
Quanto: R$ 23 (158 págs.)
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