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FESTIVAL DO RIO
Cheio de preconceitos e clichês, oito filmes revelam papel do país na construção de seu próprio estereótipo
Mostra reúne olhar gringo sobre o Brasil
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
"O Brazil não conhece o Brasil",
diz a música de Maurício Tapajós
e Aldir Blanc. Mas ele tenta. "Brasil com Z", uma das mostras do
Festival do Rio, reúne oito filmes
sobre a música, a pobreza, a beleza, a violência e outras tradições
nacionais. Denunciados, confirmados ou um pouco de cada, clichês perpassam as produções.
Não por acaso, o único dos filmes cujo diretor é brasileiro trata
exatamente dos clichês. Partindo
do livro "O Brasil dos Gringos",
de Tunico Amâncio, Lúcia Murat
fez o documentário "Olhar Estrangeiro" como uma "pequena
vingança" contra o tratamento à
base de estereótipos que o país recebe do cinema mundial.
"Procurei entender como esses
clichês se desenvolveram na cabeça das pessoas que fizeram os filmes. Há os que sabem que tudo
era clichê, mas outros não têm a
menor idéia do que seja o Brasil.
Isso propicia cenas engraçadas
para nós, brasileiros. O filme é crítico e divertido", afirma Murat.
Até um ator inteligente como
Michael Caine, astro de "Feitiço
do Rio" (1984), escorrega e diz
não saber que Carmen Miranda
era brasileira. Já Hope Davis, atriz
de "Próxima Parada, Wonderland" (1999), filme em que um
brasileiro fala espanhol, não consegue ir além de clichês como
praias e topless ao falar do país.
Robert Ellis Miller, diretor de
"Brenda Star" (1988), que se passa
supostamente na Amazônia, não
se constrange ao explicar por que
os nativos falam espanhol no filme: "A maior parte da região
[América Latina] fala espanhol e é
assim que o estúdio decide".
"Alguns reagiram às perguntas
dizendo que a nossa indústria de
turismo também vende uma imagem estereotipada, o que é verdade. É uma forma de vermos qual é
o nosso papel nisso", diz Murat,
que fez as entrevistas em festivais
de que participava no exterior.
Um dos entrevistados, Zalman
King, diretor de "Orquídea Selvagem" (1990), diz que sua visão
exótica do Brasil foi influenciada
por "Orfeu Negro" (1959). O filme
do francês Marcel Camus, Palma
de Ouro em Cannes e Oscar de filme estrangeiro, é tema de "Em
Busca do Orfeu Negro".
O documentário de René Letzgus e Bernard Tournois inverte o
olhar e colhe depoimentos de brasileiros como Cacá Diegues, Gilberto Gil e Milton Nascimento para registrar como "nós" encaramos esses estereótipos.
Protagonista de "Orfeu da Conceição", a peça de Vinicius de Moraes que deu origem a "Orfeu Negro", Haroldo Costa é o narrador
de "Samba no Pé", documentário
de argentino Eduardo Montes-Bradley sobre o gênero.
"O resultado é muito honesto,
porque faz um painel desde os navios negreiros até os dias de hoje.
Não é um filme deslumbrado, de
gringo", apóia Costa, autor de vários livros sobre samba.
Outro gênero nascido aqui, o
choro é o tema de "Brasileirinho",
do finlandês Mika Kaurismäki. A
música também é a estrela de "O
Milagre do Candeal", registro do
espanhol Fernando Trueba da visita do pianista cubano Bebo Valdés a Salvador. Carlinhos Brown
funciona como anfitrião.
Em "Maria Bethânia: Música É
Perfume", há poucas novidades
para os brasileiros. O diretor suíço
Georges Gachot faz um filme de
admirador, procurando contar,
para quem não a conhece, quem é
Bethânia. Entre os entrevistados,
Chico Buarque e Caetano Veloso.
Os dois filmes mais "sociais" do
conjunto têm cenário parecido e
abordagens diferentes. "Favela
Shakespeare", da inglesa Kristiene Clarke, registra uma leitura de
"Antonio e Cleopatra" em 2004
na fronteira entre Vigário Geral e
Parada de Lucas. A guerra parou
para a peça e, depois, continuou.
Já "Favela Rising" se concentra
em Vigário para mostrar a violência do tráfico de drogas e da polícia no Rio, além das saídas encontradas pelo Grupo Cultural AfroReggae. O documentário usa
muitos efeitos tecnológicos, evocando o filme "Cidade de Deus".
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