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"LOVE IS THE DEVIL" - CRÍTICA
Filme é feito apenas de sangue, suor e medos
RYAN GILBEY
do "Independent"
Francis Bacon nunca se arriscou
no cinema, embora seu trabalho tivesse possibilidades cinematográficas e o cinema pudesse ser habitado por seu estilo. Ele está em "O
Último Tango em Paris", onde
suas pinturas são empregadas para
levar à inquietação; e Donald Cammel admitiu usar composições como as suas em "Performance".
Os gostos do artista eram crus e
ecléticos. Diziam que ele gostava
da série de filmes "Rocky", por sua
amplificação hiperbólica dos punhos na carne.
Isso sugere uma fusão romântica
do homem e da arte, mas "Love Is
the Devil", o filme de John Maybury sobre Bacon, vai um passo
adiante. Ele mistura seu trabalho e
sua vida como se os dois fossem
riscos de pintura numa paleta,
combinados para atingir uma
sombra pungente, e não familiar.
"Love Is the Devil" se distancia
do torturado território da biografia do artista pela modéstia de seu
subtítulo: "Study for a Portrait of
Francis Bacon" (Estudo para um
Retrato de Francis Bacon).
Embora o filme tenha seu momento discernível, enfocando a
triste trajetória do relacionamento
entre Bacon (Derek Jacobi) e George Dyer (Daniel Craig), seu amante
por sete anos, ele está mais próximo de uma coleção de rabiscos de
pequenos pesadelos. É o primeiro
filme de Maybury, embora sua experiência com filme experimental
e vídeo e sua colaboração com Derek Jarman lhe tenham ensinado a
procura da essência num objeto
sem se prender à narrativa.
O cinema nunca se envergonhou
de investigar o desejo homossexual, desde que tudo terminasse
em lágrimas, e de preferência com
sangue e suor também. Mas "Love" irá frustrar um público específico porque se recusa a mostrar dados explícitos da patologia de seus
personagens.
O filme é cheio de imagens de
aprisionamento. Para Jean Cocteau, o espelho era um portão mágico para outras dimensões, mas
no filme de Maybury ele enjaula
aqueles que o apreciam. Muitas
das tomadas são compostas como
reflexos múltiplos em espelhos ou
superfícies de prata, ou destorcidas imagens espiadas pela da curva
de um copo. Maybury não teve
permissão para usar as pinturas de
Bacon no filme, e essa restrição lhe
deu uma liberdade inesperada.
Colocada ao longo de exemplos
do trabalho do próprio artista, a
evocação de sua essência no filme
poderia parecer domável demais.
Já as aproximações de Maybury do
estilo grotescamente belo de Bacon criam uma sensação de infecção do celulóide pela arte, como se
o negativo do filme tivesse sido colocado próximo às telas de Bacon.
Isso vale para Derek Jacobi também. Ele guarda uma assustadora
semelhança física com Bacon: os
olhos, no mesmo rosto flácido,
morrem somente num ocasional
espasmo de ódio ou desejo.
²
Tradução de
Denise Bobadilha
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