São Paulo, sexta, 25 de setembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"LOVE IS THE DEVIL" - CRÍTICA
Filme é feito apenas de sangue, suor e medos

RYAN GILBEY
do "Independent"

Francis Bacon nunca se arriscou no cinema, embora seu trabalho tivesse possibilidades cinematográficas e o cinema pudesse ser habitado por seu estilo. Ele está em "O Último Tango em Paris", onde suas pinturas são empregadas para levar à inquietação; e Donald Cammel admitiu usar composições como as suas em "Performance".
Os gostos do artista eram crus e ecléticos. Diziam que ele gostava da série de filmes "Rocky", por sua amplificação hiperbólica dos punhos na carne.
Isso sugere uma fusão romântica do homem e da arte, mas "Love Is the Devil", o filme de John Maybury sobre Bacon, vai um passo adiante. Ele mistura seu trabalho e sua vida como se os dois fossem riscos de pintura numa paleta, combinados para atingir uma sombra pungente, e não familiar.
"Love Is the Devil" se distancia do torturado território da biografia do artista pela modéstia de seu subtítulo: "Study for a Portrait of Francis Bacon" (Estudo para um Retrato de Francis Bacon).
Embora o filme tenha seu momento discernível, enfocando a triste trajetória do relacionamento entre Bacon (Derek Jacobi) e George Dyer (Daniel Craig), seu amante por sete anos, ele está mais próximo de uma coleção de rabiscos de pequenos pesadelos. É o primeiro filme de Maybury, embora sua experiência com filme experimental e vídeo e sua colaboração com Derek Jarman lhe tenham ensinado a procura da essência num objeto sem se prender à narrativa.
O cinema nunca se envergonhou de investigar o desejo homossexual, desde que tudo terminasse em lágrimas, e de preferência com sangue e suor também. Mas "Love" irá frustrar um público específico porque se recusa a mostrar dados explícitos da patologia de seus personagens.
O filme é cheio de imagens de aprisionamento. Para Jean Cocteau, o espelho era um portão mágico para outras dimensões, mas no filme de Maybury ele enjaula aqueles que o apreciam. Muitas das tomadas são compostas como reflexos múltiplos em espelhos ou superfícies de prata, ou destorcidas imagens espiadas pela da curva de um copo. Maybury não teve permissão para usar as pinturas de Bacon no filme, e essa restrição lhe deu uma liberdade inesperada.
Colocada ao longo de exemplos do trabalho do próprio artista, a evocação de sua essência no filme poderia parecer domável demais. Já as aproximações de Maybury do estilo grotescamente belo de Bacon criam uma sensação de infecção do celulóide pela arte, como se o negativo do filme tivesse sido colocado próximo às telas de Bacon.
Isso vale para Derek Jacobi também. Ele guarda uma assustadora semelhança física com Bacon: os olhos, no mesmo rosto flácido, morrem somente num ocasional espasmo de ódio ou desejo.
²


Tradução de Denise Bobadilha



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.