São Paulo, sexta, 25 de setembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RECEITAS DO MELLÃO
Alcachofras e onanismo


HAMILTON MELLÃO JÚNIOR
Colunista da Folha

Há alguns meses, eu e a felizarda que me acompanha compramos um sítio, perto de São Roque. Devo admitir que não é bem um sítio, é uma situação, já que ele nem chega a ter um alqueire.
Mas é lá que eu esqueço das comidas "fake" e me emociono com uma tenra alface colhida na hora, temperada com folhas de hortelã fresca, uma delícia.
Na horta, escolho a melhor alcachofra, sem dúvida alguma um alimento de natureza privada. Exótica e delicada, deveria ser comida a sós, num terreno baldio.
O prazer de despetalar suas folhas sem a opressão do relógio ou das regras da etiqueta, retirando entre os dentes a carne das pétalas morosamente, é mais uma prova da existência de Deus.
Os mais lúdicos, porém, podem achar graça em saboreá-la a dois, transformando o que seria constrangimento em intimidade. Eu, pessoalmente, aconselho a conduta onanista.
Degustar uma alcachofra confirma os preceitos judaico-cristãos de que não há prazer sem trabalho. E experimentar o prazer do trabalho que dá para chegar ao coração da alcachofra é satisfação plena.
Um vivente que recusa esse ritual, partindo direto para o fundo, é, no mínimo, um ejaculador precoce gastronômico.
Farta e frágil na textura interior, sua parte nobre, ela pode ser cozida em água e vinho branco, recheada com pedacinhos do seu próprio cabo (que muitos ignoram ser comestível), farinha de rosca, alcaparras e bacon, à moda dos romanos.
Natural da Etiópia, a rústica flor foi batizada de "kharshuf" pelos árabes, que a difundiram no Ocidente por meio das invasões mouras no continente europeu, no século 15.
Verdadeiro requinte para os paladares atentos, agora elas estão no auge da qualidade e assim irão se manter até novembro chegar.
Nessa época abundante em excelentes alcachofras, não se engane comprando pelo tamanho.
Prefira os exemplares de tamanho médio, com aproximadamente dez centímetros de diâmetro por 15 de altura, de um verde vivo, que são muito mais saborosas do que as grandes e têm menos feno.
²
E-mail: mellão@uol.com.br



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.