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RECEITAS DO MELLÃO
Alcachofras e onanismo
HAMILTON MELLÃO JÚNIOR
Colunista da Folha
Há alguns meses, eu e a felizarda
que me acompanha compramos
um sítio, perto de São Roque. Devo
admitir que não é bem um sítio, é
uma situação, já que ele nem chega
a ter um alqueire.
Mas é lá que eu esqueço das comidas "fake" e me emociono com
uma tenra alface colhida na hora,
temperada com folhas de hortelã
fresca, uma delícia.
Na horta, escolho a melhor alcachofra, sem dúvida alguma um alimento de natureza privada. Exótica e delicada, deveria ser comida a
sós, num terreno baldio.
O prazer de despetalar suas folhas sem a opressão do relógio ou
das regras da etiqueta, retirando
entre os dentes a carne das pétalas
morosamente, é mais uma prova
da existência de Deus.
Os mais lúdicos, porém, podem
achar graça em saboreá-la a dois,
transformando o que seria constrangimento em intimidade. Eu,
pessoalmente, aconselho a conduta onanista.
Degustar uma alcachofra confirma os preceitos judaico-cristãos de
que não há prazer sem trabalho. E
experimentar o prazer do trabalho
que dá para chegar ao coração da
alcachofra é satisfação plena.
Um vivente que recusa esse ritual, partindo direto para o fundo,
é, no mínimo, um ejaculador precoce gastronômico.
Farta e frágil na textura interior,
sua parte nobre, ela pode ser cozida em água e vinho branco, recheada com pedacinhos do seu
próprio cabo (que muitos ignoram
ser comestível), farinha de rosca,
alcaparras e bacon, à moda dos romanos.
Natural da Etiópia, a rústica flor
foi batizada de "kharshuf" pelos
árabes, que a difundiram no Ocidente por meio das invasões mouras no continente europeu, no século 15.
Verdadeiro requinte para os paladares atentos, agora elas estão no
auge da qualidade e assim irão se
manter até novembro chegar.
Nessa época abundante em excelentes alcachofras, não se engane
comprando pelo tamanho.
Prefira os exemplares de tamanho médio, com aproximadamente dez centímetros de diâmetro por
15 de altura, de um verde vivo, que
são muito mais saborosas do que
as grandes e têm menos feno.
²
E-mail: mellão@uol.com.br
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