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LITERATURA
Sociólogo está em SP para autografar livro e inaugurar instituto de pesquisas sobre trabalho
Domenico De Masi semeia "ócio criativo"
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
Entre sociólogos do Primeiro
Mundo, está se tornando comum
afirmar que o trabalho como conhecemos, normatizado na era
industrial, está fadado a desaparecer, e que o futuro aponta para
certo "ócio criativo", que envolveria, numa "sociedade pós-industrial", a readequação e integração
dos conceitos atuais de trabalho e
de lazer.
Com essa tese e o epíteto "profeta do ócio", o sociólogo italiano
Domenico De Masi tornou-se conhecido no Brasil. No primeiro
semestre deste ano, deu ibope a
dois programas "Roda Viva" da
TV Cultura, realizou conferências
e lançou o livro "Desenvolvimento sem Trabalho" (ed. Esfera, 104
págs., R$ 15).
De Masi está de volta ao Brasil
(pela 14ª vez), para autografar um
novo livro, ministrar palestras em
megaempresas e universidades e
formalizar, hoje à noite, na Sala
São Paulo, a abertura do S3 Studium Brasil, filial paulistana de
seu instituto romano de pesquisas. O lançamento, apenas para
convidados, tem recital do violonista André Geraissati e anuncia,
ainda, uma edição brasileira da
revista cultural italiana "Next",
que tem como tema o trabalho.
Na próxima quinta à noite, no
Senac (r. Dr. Vila Nova, 228, São
Paulo), De Masi lança o livro "Sociedade Pós-Industrial" (ed. Senac, 448 págs., R$ 35). Embora
"vendido" como autor na capa,
De Masi é, na verdade, autor da
introdução e organizador dessa
coletânea de ensaios sobre as consequências da "terceira onda" (de
ordenamento social). Os autores
são pesquisadores do Instituto de
Estudos sobre o Desenvolvimento Econômico e Progresso Técnico, liderado por De Masi.
Um "detalhe" do volume é que,
quando publicado, em 1985 na
Itália, ainda não considerava a
popularização do uso doméstico
de computadores e da Internet.
"O livro foi chamado de "distante
da realidade" quando saiu na Itália, e, agora, todos usam seus termos. Então pode ser bom para este momento do Brasil", diz De
Masi. Outro pormenor do volume é trazer em italiano títulos de
obras clássicas citadas (as de Karl
Marx, por exemplo).
No Brasil, a explicação da onda
de desemprego como fenômeno
de passagem para uma nova era e
novas vantagens detectadas nas
reduções da jornada de trabalho
conquistam platéias de estudantes e empregados dos setores administrativo e de relações humanas, bem como crescente parcela
de empresários. Leia a seguir trechos de entrevista concedida à
Folha por De Masi.
Folha - Por que editar aqui um
livro de 1985?
Domenico de Masi - "Sociedade Pós-Industrial" nasceu da exigência de sintetizar e divulgar na
Itália os maiores teóricos norte-americanos e europeus desse conceito. Assim como deve acontecer
ainda no Brasil, a Itália chegou
atrasada à sociedade pós-industrial em 71, enquanto em 56, nos
EUA, os "colarinhos brancos" já
haviam superado numericamente os "colarinhos azuis".
Folha - Caminha-se para um
aperfeiçoamento, mais que para
uma crise dos valores herdados
da sociedade industrial?
De Masi - Alguns, como os italianos, vêem essa passagem com
grande otimismo, outros como
crise e decadência. Se a práxis era
o centro da sociedade anterior, o
centro agora será a estética.
Folha - O Brasil não está antiestético, com tantos milhões
de excluídos?
De Masi - Há no Brasil vários tipos de excluídos. Além dos desempregados, há um subproletariado que nunca teve acesso ao
trabalho. A sociedade pós-industrial e este livro dizem respeito sobretudo à faixa populacional inserida no sistema, incluindo desempregados. Os fora do sistema requerem discurso à parte. Trata-se
da maneira como o Brasil está organizado socialmente, porque este país é mais rico que a Itália. A
sociedade pós-industrial se funda
na ciência, na cultura e na arte, e
requer um primeiro passo, que é a
alfabetização. A maior exclusão,
no pós-industrial, não vem da pobreza, mas do analfabetismo, pois
a cultura que se torna global tão
rapidamente não é mais uma cultura homérica, oral, mas científica, escrita e até virtual.
Folha - Nem a sociedade rural,
nem a industrial foram plenamente realizadas aqui...
De Masi - Sim. O Brasil não é
um país agrícola. Nenhuma das
sete grandes companhias do setor
é brasileira. E a agricultura moderna emprega pouquíssimas
pessoas. Por outro lado, aqui há
grandes laboratórios de pesquisa
e TVs... Talvez este país passe
mais facilmente da sociedade rural à sociedade pós-industrial,
sem atravessar toda a fase industrial. A adaptação será mais fácil
para os cérebros, porque, assim
como a rural, a sociedade pré-industrial é desestruturada no tempo e no espaço, diferentemente da
industrial, que distribui turnos
com rigor.
Folha - Seu "mundo do futuro"
é, de fato, do ócio?
De Masi - Não. Todos deverão
trabalhar, mas pouco. É preciso
que ocorram três grandes democratizações: do trabalho, da riqueza e do conhecimento. Por exemplo, todo universitário deveria alfabetizar uma criança, num trabalho solidário. O que proponho é
rever o conceito de trabalho, que
poderá ser feito em grande parte
pela Internet. Pensamos atualmente que a conexão à Rede tem
de passar pelo computador. Isso é
um engodo dos fabricantes de
computadores. Os muitos milhões que já dispõem de uma tela
de TV e de linha telefônica podem se conectar na Web TV com
cerca de R$ 100.
Folha - O senhor fala em "evitar o perigo do suicídio total".
Onde identifica tais pulsões de
morte?
De Masi - Em Bill Clinton e Monica Lewinsky, por exemplo.
Quando o homem mais importante do mundo faz sexo enquanto telefona a um ministro. Quando, visando-se a herança, se pesca
o cadáver de John John para depois queimar e jogar de volta ao
mar. Quando os EUA fazem a
guerra do Kosovo para resolver
problemas internos de Clinton e
bloquear o euro (moeda única
européia). Quando o empresário
é competitivo e quer destruir o
concorrente... O conceito de mercado é um conceito de morte. Na
sociedade pós-industrial há mais
chances, seja para o suicídio, seja
para a vida. Eu digo que nessa sociedade há maior expectativa de
vida, o que já é uma grande oportunidade.
Folha - E o papel do artista na
sociedade pós-industrial plena?
De Masi - É fundamental para a
prospecção do futuro. Muitos filmes de Fellini conseguiram explicar nossa realidade atual bem
melhor que livros de sociologia.
Os de Almodóvar, como o último, compreendem melhor que
muita obra de psicologia as relações entre homem e mulher, a
distribuição de masculino e feminino neste fim de milênio. Na sociedade pós-industrial uma primeira função é criar perspectivas,
e, num segundo momento, é preciso criar beleza, alimentar um
mundo cada vez mais faminto de
estética. Esse é o trabalho do futuro. Já hoje os artistas ganham
mais do que jornalistas e professores universitários...
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