São Paulo, Segunda-feira, 25 de Outubro de 1999
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LITERATURA

Sociólogo está em SP para autografar livro e inaugurar instituto de pesquisas sobre trabalho

Domenico De Masi semeia "ócio criativo"

ALVARO MACHADO
especial para a Folha

Entre sociólogos do Primeiro Mundo, está se tornando comum afirmar que o trabalho como conhecemos, normatizado na era industrial, está fadado a desaparecer, e que o futuro aponta para certo "ócio criativo", que envolveria, numa "sociedade pós-industrial", a readequação e integração dos conceitos atuais de trabalho e de lazer.
Com essa tese e o epíteto "profeta do ócio", o sociólogo italiano Domenico De Masi tornou-se conhecido no Brasil. No primeiro semestre deste ano, deu ibope a dois programas "Roda Viva" da TV Cultura, realizou conferências e lançou o livro "Desenvolvimento sem Trabalho" (ed. Esfera, 104 págs., R$ 15).
De Masi está de volta ao Brasil (pela 14ª vez), para autografar um novo livro, ministrar palestras em megaempresas e universidades e formalizar, hoje à noite, na Sala São Paulo, a abertura do S3 Studium Brasil, filial paulistana de seu instituto romano de pesquisas. O lançamento, apenas para convidados, tem recital do violonista André Geraissati e anuncia, ainda, uma edição brasileira da revista cultural italiana "Next", que tem como tema o trabalho.
Na próxima quinta à noite, no Senac (r. Dr. Vila Nova, 228, São Paulo), De Masi lança o livro "Sociedade Pós-Industrial" (ed. Senac, 448 págs., R$ 35). Embora "vendido" como autor na capa, De Masi é, na verdade, autor da introdução e organizador dessa coletânea de ensaios sobre as consequências da "terceira onda" (de ordenamento social). Os autores são pesquisadores do Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento Econômico e Progresso Técnico, liderado por De Masi.
Um "detalhe" do volume é que, quando publicado, em 1985 na Itália, ainda não considerava a popularização do uso doméstico de computadores e da Internet. "O livro foi chamado de "distante da realidade" quando saiu na Itália, e, agora, todos usam seus termos. Então pode ser bom para este momento do Brasil", diz De Masi. Outro pormenor do volume é trazer em italiano títulos de obras clássicas citadas (as de Karl Marx, por exemplo).
No Brasil, a explicação da onda de desemprego como fenômeno de passagem para uma nova era e novas vantagens detectadas nas reduções da jornada de trabalho conquistam platéias de estudantes e empregados dos setores administrativo e de relações humanas, bem como crescente parcela de empresários. Leia a seguir trechos de entrevista concedida à Folha por De Masi.

Folha - Por que editar aqui um livro de 1985?
Domenico de Masi -
"Sociedade Pós-Industrial" nasceu da exigência de sintetizar e divulgar na Itália os maiores teóricos norte-americanos e europeus desse conceito. Assim como deve acontecer ainda no Brasil, a Itália chegou atrasada à sociedade pós-industrial em 71, enquanto em 56, nos EUA, os "colarinhos brancos" já haviam superado numericamente os "colarinhos azuis".

Folha - Caminha-se para um aperfeiçoamento, mais que para uma crise dos valores herdados da sociedade industrial?
De Masi -
Alguns, como os italianos, vêem essa passagem com grande otimismo, outros como crise e decadência. Se a práxis era o centro da sociedade anterior, o centro agora será a estética.

Folha - O Brasil não está antiestético, com tantos milhões de excluídos?
De Masi -
Há no Brasil vários tipos de excluídos. Além dos desempregados, há um subproletariado que nunca teve acesso ao trabalho. A sociedade pós-industrial e este livro dizem respeito sobretudo à faixa populacional inserida no sistema, incluindo desempregados. Os fora do sistema requerem discurso à parte. Trata-se da maneira como o Brasil está organizado socialmente, porque este país é mais rico que a Itália. A sociedade pós-industrial se funda na ciência, na cultura e na arte, e requer um primeiro passo, que é a alfabetização. A maior exclusão, no pós-industrial, não vem da pobreza, mas do analfabetismo, pois a cultura que se torna global tão rapidamente não é mais uma cultura homérica, oral, mas científica, escrita e até virtual.

Folha - Nem a sociedade rural, nem a industrial foram plenamente realizadas aqui...
De Masi -
Sim. O Brasil não é um país agrícola. Nenhuma das sete grandes companhias do setor é brasileira. E a agricultura moderna emprega pouquíssimas pessoas. Por outro lado, aqui há grandes laboratórios de pesquisa e TVs... Talvez este país passe mais facilmente da sociedade rural à sociedade pós-industrial, sem atravessar toda a fase industrial. A adaptação será mais fácil para os cérebros, porque, assim como a rural, a sociedade pré-industrial é desestruturada no tempo e no espaço, diferentemente da industrial, que distribui turnos com rigor.

Folha - Seu "mundo do futuro" é, de fato, do ócio?
De Masi -
Não. Todos deverão trabalhar, mas pouco. É preciso que ocorram três grandes democratizações: do trabalho, da riqueza e do conhecimento. Por exemplo, todo universitário deveria alfabetizar uma criança, num trabalho solidário. O que proponho é rever o conceito de trabalho, que poderá ser feito em grande parte pela Internet. Pensamos atualmente que a conexão à Rede tem de passar pelo computador. Isso é um engodo dos fabricantes de computadores. Os muitos milhões que já dispõem de uma tela de TV e de linha telefônica podem se conectar na Web TV com cerca de R$ 100.

Folha - O senhor fala em "evitar o perigo do suicídio total". Onde identifica tais pulsões de morte?
De Masi -
Em Bill Clinton e Monica Lewinsky, por exemplo. Quando o homem mais importante do mundo faz sexo enquanto telefona a um ministro. Quando, visando-se a herança, se pesca o cadáver de John John para depois queimar e jogar de volta ao mar. Quando os EUA fazem a guerra do Kosovo para resolver problemas internos de Clinton e bloquear o euro (moeda única européia). Quando o empresário é competitivo e quer destruir o concorrente... O conceito de mercado é um conceito de morte. Na sociedade pós-industrial há mais chances, seja para o suicídio, seja para a vida. Eu digo que nessa sociedade há maior expectativa de vida, o que já é uma grande oportunidade.

Folha - E o papel do artista na sociedade pós-industrial plena?
De Masi -
É fundamental para a prospecção do futuro. Muitos filmes de Fellini conseguiram explicar nossa realidade atual bem melhor que livros de sociologia. Os de Almodóvar, como o último, compreendem melhor que muita obra de psicologia as relações entre homem e mulher, a distribuição de masculino e feminino neste fim de milênio. Na sociedade pós-industrial uma primeira função é criar perspectivas, e, num segundo momento, é preciso criar beleza, alimentar um mundo cada vez mais faminto de estética. Esse é o trabalho do futuro. Já hoje os artistas ganham mais do que jornalistas e professores universitários...


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