São Paulo, quarta-feira, 25 de outubro de 2000

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CRÍTICA
Cultura Artística assiste missa neutra de Bach

ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Palavras que vêm à mente depois deste concerto: sólido, justo, sério, vigoroso, maduro. Palavras que não vêm: inspirado, comovente, exuberante, original. O Gächinger Kantorei é um grande coro, o Bach-Collegium é uma boa orquestra barroca e Helmuth Rilling, um dos intérpretes de referência da obra de Bach (1685-1750). Mas sua interpretação da "Missa em Si Menor" teve algo de protocolar, ou neutro, muito embora os protocolos fossem altos e a neutralidade, divina.
Escrita ao longo de mais de 25 anos -na verdade, uma coletânea de peças compostas em várias ocasiões-, a "Missa" é uma espécie de catedral em música, um edifício espantoso, que engrandece e diminui cada um de nós. É excepcional até no contexto da música de Bach. Juntamente com a "Paixão Segundo São Mateus" e a "Paixão Segundo São João", forma a trilogia máxima da música sacra barroca.
Virtudes primeiro: o coro é espetacular. Encheu o teatro de música. As 30 vozes valem por 300, mas cantam com a integração de três. Rilling, de sua parte, é um maestro de grandes massas, mais do que de delicadezas; e isto vale mesmo para a interpretação das fugas, conduzidas com fluência (o que não é fácil) e honestidade (o que não é comum: quase todo mundo esconde notas).
Maior virtude: os trompetes. Em particular o primeiro, Eckhard Schmidt, que também tocou o corne "di caccia" no "Quoniam". Os trompetes barrocos são ainda mais difíceis do que os modernos; e o corne está no limite do sacrifício. O trio de trompetistas não quebrou uma nota, não desviou um quarto de tom. Foi brilhante, prestativo, ornamental, conforme o caso. Do outro lado da orquestra, os fagotes responderam à altura.
Menos brilho tiveram os cantores solistas (nomes novos, do circuito médio). Cantaram bem. Mas faltou o algo-a-mais que inscreve a música na memória. Dos quatro, a contralto Birgit Remmert tem a maior experiência, mas canta como se a única experiência que contasse fosse a musical. O "Agnus Dei" pede mais.
Os lindos solos do flautista trouxeram à luz um desequilíbrio que explica, em parte, a estranha falta de impacto para um concerto que tinha tantos motivos para causar impacto. Flauta de metal (não madeira, como hoje é regra), interpretação à maneira francesa antiga (respiração no final das frases, pulso caindo para trás). O Bach-Collegium parece um tanto incerto entre momentos e escolas. Nem voltado para o passado nem inteiramente para o presente, Helmuth Rilling rege numa coalizão de centro-esquerda musical.
Nestes dias de fim de século, quando se vive de exuberâncias e nuances e originalidades, o gosto médio não cai no gosto médio de quem vai ao teatro escutar a "Missa em Si Menor". Cai numa neutralidade, que nem mesmo o brilho das fugas e os floreios dos metais são capazes de mobilizar.
Anteontem, a platéia aplaudiu muito, com respeito e admiração por esses músicos tão sérios. Mas ninguém gritou: "Bravo". O ouvido do povo talvez não chegue a ser o ouvido de Deus, mas é o que se tem, e ficou carente de um outro Bach, mais próximo de nós.


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