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"ELEGIA DE UMA VIAGEM"
Sokurov se filia ao pós-guerra
em tetralogia sobre déspotas
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Dentre os contemporâneos,
o russo Aleksandr Sokurov
parece ser o que mais conscientemente se filia ao espírito do cinema moderno do pós-guerra.
Seu mais recente projeto, uma
tetralogia sobre os grandes déspotas do século 20, torna a filiação
mais evidente, provando que o
mundo sonhado pelo cinema sobreviveu mesmo às ideologias
que dele se serviram. Desde os
primeiros filmes, Sokurov já inscrevia sua obra nessa tradição,
elegendo a perambulação ("Páginas Ocultas") e o luto (tema de
"Mãe e Filho" revisitado em "Dolce", história do poeta-kamikaze
Toshio Shimao) como temas.
Foi abolindo o ideal de verdade
do cinema clássico -que propiciara a apropriação da "arte das
massas" pelo totalitarismo- que
o moderno, nascido das cinzas do
Holocausto, fez-se o cinema do
descentramento, da incerteza e do
luto. Em reação à estetização da
política promovida pelos fascistas, síntese do modelo teatral-propagandístico no qual culminara o cinema do pré-guerra, os
filmes modernos promoveram a
politização da estética. Sokurov se
filia a essa proposição, tanto mais
por efetivá-la através da pintura.
Em "Moloch", primeiro da tetralogia, em que restituía Hitler, o
personagem, à ficção, o cineasta
encontrava, atrás da pompa vazia
do "teatro" hitlerista, o monumentalismo das paisagens de Caspar David Friedrich, o pintor romântico cultuado pelos nazistas.
Tal como os cineastas do pós-guerra, Sokurov fazia do retorno à
pintura e à planura da imagem
uma resposta à profundidade
eternamente forjada do cinema
clássico. E seu filme se revelava
tanto mais brilhante por só sugerir, nesse fundo falso, a presença
dos campos de concentração, o
"segredo atrás da porta" eternamente prometido pelo modelo
vazio do cinema do pré-guerra.
Em "Elegia de uma Viagem",
esse retorno à pintura se faz,
proustianamente, no tempo. Realizado no mesmo ano de "Taurus" (a grande ausência da Mostra, ao lado dos filmes recentes de
Godard e Rohmer), em que Sokurov dá continuidade à tetralogia,
enfocando os últimos dias de Lênin, "Elegia" é uma "viagem imóvel" de Sokurov, viagem em sonho em que o cineasta atravessa o
tempo para se reencontrar com a
pintura (uma paisagem de Van
Gogh, a Babel de Bruegel) num
estranho museu abandonado.
Antes, porém, há um encontro
fortuito (outro procedimento caro ao cinema de autor) com um
jovem despretensioso em uma
lanchonete de beira de estrada. O
personagem, de passagem, funciona como um intercessor que,
atravessando o filme com sua "filosofia de botequim", prepara Sokurov para seguir viagem.
Elegia de uma Viagem
Elegy of a Voyage
Direção: Aleksandr Sokurov
Produção: Rússia/Holanda/França,
2001
Quando: hoje, às 13h30, no Cinesesc
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