São Paulo, quarta-feira, 25 de outubro de 2006

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Crítica/"O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias"

Drama com bela história simples comove sem abrir mão da inteligência

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Se às vezes invejamos o cinema argentino recente por sua capacidade de produzir filmes de força local e interesse universal, que emocionam grandes platéias sem abrir mão da dignidade e da inteligência, "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias" vem para nos redimir.
O filme de Cao Hamburger narra uma história simples e, ao mesmo tempo, rica de significados. O menino Mauro (o encantador Michel Joelsas) é deixado pelos pais na casa do avô, no bairro do Bom Retiro. Para todos os efeitos, os pais de Mauro saíram de férias. Em nenhum momento se diz, mas fica claro que são militantes de esquerda que caíram na clandestinidade. O ano é 1970. Está aí uma das linhas centrais do filme: um período duro da vida política do país visto pelos olhos de um garotinho inocente. Mas "O Ano..." talvez fosse uma obra dispensável se ficasse limitado a isso.
Ocorre que o avô de Mauro, Mótel (Paulo Autran), morre no mesmo dia em que deveria acolher o neto. O menino fica então aos cuidados de outro velho judeu, Shlomo (Germano Haiuf), e passa a viver entre a espera angustiada pela volta dos pais e a descoberta do mundo nas ruas do Bom Retiro.
O encanto do filme consiste em aderir ao olhar de Mauro e equilibrar admiravelmente tudo o que se move em torno (e dentro) dele, dos dramáticos fatos políticos ao primeiro amor, do universo da cultura judaica à empolgação da Copa do Mundo. Nenhum desses aspectos se sobrepõe aos outros.
Embora remeta vagamente a outros filmes, como o brasileiro "Nunca Fomos Tão Felizes" e o argentino "Kamchatka", "O Ano..." é único nessa habilidade em entrelaçar tantos fios temáticos, bem como no olhar amoroso a cada um dos personagens. É essencialmente, como já disse seu diretor, um filme sobre o exílio, sobre a necessidade humana de construir um lar onde quer que se esteja.
Como no futebol de botão, em que uma mesa de cozinha é transformada pela imaginação num estádio lotado, a fantasia infantil transfigura em poesia a miséria do mundo. Mas esta, como veremos, continua existindo. A vida é bela, mas nem tanto. Faltou uma palavra sobre a atriz mirim Daniela Piepszyk, no papel da espertíssima Hanna. Num elenco excelente, ela é a que mais brilha.


O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS     
Direção: Cao Hamburger
Onde: hoje, às 13h30, no Frei Caneca Unibanco Arteplex 2, e sáb., às 19h20, no Cine Bombril Sala 1


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