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Crítica/"O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias"
Drama com bela história simples comove sem abrir mão da inteligência
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Se às vezes invejamos o cinema argentino recente
por sua capacidade de
produzir filmes de força local e
interesse universal, que emocionam grandes platéias sem
abrir mão da dignidade e da inteligência, "O Ano em que
Meus Pais Saíram de Férias"
vem para nos redimir.
O filme de Cao Hamburger
narra uma história simples e,
ao mesmo tempo, rica de significados. O menino Mauro (o encantador Michel Joelsas) é deixado pelos pais na casa do avô,
no bairro do Bom Retiro.
Para todos os efeitos, os pais
de Mauro saíram de férias. Em
nenhum momento se diz, mas
fica claro que são militantes de
esquerda que caíram na clandestinidade. O ano é 1970.
Está aí uma das linhas centrais do filme: um período duro
da vida política do país visto pelos olhos de um garotinho inocente. Mas "O Ano..." talvez fosse uma obra dispensável se ficasse limitado a isso.
Ocorre que o avô de Mauro,
Mótel (Paulo Autran), morre
no mesmo dia em que deveria
acolher o neto. O menino fica
então aos cuidados de outro velho judeu, Shlomo (Germano
Haiuf), e passa a viver entre a
espera angustiada pela volta
dos pais e a descoberta do mundo nas ruas do Bom Retiro.
O encanto do filme consiste
em aderir ao olhar de Mauro e
equilibrar admiravelmente tudo o que se move em torno (e
dentro) dele, dos dramáticos
fatos políticos ao primeiro
amor, do universo da cultura
judaica à empolgação da Copa
do Mundo. Nenhum desses aspectos se sobrepõe aos outros.
Embora remeta vagamente a
outros filmes, como o brasileiro
"Nunca Fomos Tão Felizes" e o
argentino "Kamchatka", "O
Ano..." é único nessa habilidade
em entrelaçar tantos fios temáticos, bem como no olhar amoroso a cada um dos personagens. É essencialmente, como
já disse seu diretor, um filme
sobre o exílio, sobre a necessidade humana de construir um
lar onde quer que se esteja.
Como no futebol de botão,
em que uma mesa de cozinha é
transformada pela imaginação
num estádio lotado, a fantasia
infantil transfigura em poesia a
miséria do mundo. Mas esta,
como veremos, continua existindo. A vida é bela, mas nem
tanto. Faltou uma palavra sobre a atriz mirim Daniela
Piepszyk, no papel da espertíssima Hanna. Num elenco excelente, ela é a que mais brilha.
O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS
Direção: Cao Hamburger
Onde: hoje, às 13h30, no Frei Caneca
Unibanco Arteplex 2, e sáb., às 19h20,
no Cine Bombril Sala 1
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