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30º Mostra de SP - Crítica/"Eu Não Quero Dormir Sozinho"
Ming-liang abre foco político
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Os freqüentadores da
Mostra já devem estar
acostumados com as
produções de Tsai Ming-liang,
diretor malaio cujos filmes,
desde os primeiros, entraram
pela porta do festival. Para
quem desconhece seu trabalho
vale um aviso: vá preparado.
Na medida em que avança,
sua obra aprofunda a rarefação
dramática e muitos espectadores podem odiar seu estilo. "Eu
Não Quero Dormir Sozinho",
seu filme mais recente, é mais
um passo na desconstrução de
qualquer traço de trama.
O que interessa a Ming-liang,
além de suas tradicionais obsessões -fluxos de água, doenças infecciosas, mutismo e sexo
não-tradicional, além de uma
narrativa pontuada por canções-, é a criação de uma atmosfera sensorial e simbólica.
Por meio dela, o diretor traça
sua visão de um mundo onde
abandono e solidão foram impostos como lei. E transmite
essa concepção ao espectador
não por meio de uma trama ou
de um discurso, mas através de
uma duração lenta, quase estagnada, mas, sobretudo, hipnótica. Pois o que lhe interessa
revelar ou nos elevar é o tempo,
sob a forma da duração, fazendo-nos sentir os ritmos e as
mais ligeiras alterações.
Retomando a colaboração
com seu ator-fetiche, Lee
Kang-sheng, que interpreta
dois personagens -um paciente em coma e um mendigo-, o
cineasta captura os sinais mínimos da passagem do tempo na
contemplação dos corpos, submetidos a uma quase paralisia.
É através desses corpos que o
diretor renova sua abordagem,
com um interesse pelos vínculos humanos, aqui construídos
de um modo estritamente físico, depois que a palavra, em seu
universo, foi abolida como signo possível de interação.
A pequena variação aparente
de seus motivos fundamentais
poderia provocar a impressão
de pouca novidade do filme.
Mas o deslocamento da situação para Kuala Lumpur, cidade
de origem do diretor, que até
então só filmara em Taiwan,
abre um foco diferencial.
A solidão e o abandono deixam de ser só existenciais e ganham tonalidades políticas,
com a entrada em cena de imigrantes clandestinos e, sobretudo, na ambientação.
Um dos cenários recorrentes é um prédio abandonado, com arquitetura imponente, signo duplo e
forte do boom econômico da
Malásia nos anos 90 e da crise
econômica que se seguiu. Em
seu interior, uma bacia de água
acumulada, que retorna como o
símbolo ambíguo de outros trabalhos do diretor: ao mesmo
tempo, fluxo e estagnação.
Confinado em três espaços
cênicos, "Eu Não Quero Dormir Sozinho" se apropria da
materialidade (corpos, líquidos
e fumaça) para traduzir as sensações de rarefação e de saturação, de sufocamento e de liberação. Mas é a abertura para o
tema do cuidado que liberta o
cinema de Ming-liang do círculo vicioso da solidão.
EU NÃO QUERO DORMIR SOZINHO
Direção: Tsai Ming-liang
Onde: hoje, às 22h10, no Cinesesc; amanhã, às 21h50, na Sala UOL; qua.
(dia 1º), às 22h30, no Cine Bombril
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