São Paulo, sábado, 25 de outubro de 2008

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LIVROS

Crítica/"Janela Indiscreta"

Texto de Woolrich pode ser diabólico

É lançada coletânea com o conto que inspirou "Janela Indiscreta", de Hitchcock; personagem de Grace Kelly não existe

RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

O autor de mistério Cornell Woolrich (1903-1968) fez de tudo para fracassar. Era retraído e/ou agressivo, não se dava com ninguém, morava (com a mãe) em pardieiros do Harlem, escondia-se sob pseudônimos (William Irish, o mais conhecido) e não praticava nem vestígio de "vida literária". Mas tinha um mercado cativo para tudo que publicava e, desde sempre, o cinema adorou filmar seus contos e romances. Era perseguido pelo sucesso, graças a seu talento e imaginação. Entre as dezenas de filmes tirados das histórias de Woolrich, contam-se "A Dama Fantasma" (1944), que William Dieterle adaptou do romance "The Phantom Lady" (tendo no elenco Aurora Miranda, irmã de Carmen), e os dois que François Truffaut filmou, um a seguir ao outro: "A Noiva Estava de Preto" (1968) e "A Sereia do Mississippi" (1969).
Mas não adianta: Woolrich está condenado a ser o autor do conto "It Had to Be Murder" (1942) em que Alfred Hitchcock se baseou para rodar "Janela Indiscreta" (1954). "Janela Indiscreta e Outros Contos", o livro, acaba de sair pela Companhia das Letras, que já lançou outros romances do escritor.
"Janela Indiscreta", o filme, é tão marcante que, ao ler o conto, escalamos mentalmente James Stewart no papel do fotógrafo engessado e preso à cadeira de rodas, de olho na vida alheia, e sentimos falta de Grace Kelly, cujo papel não existe no original.
É instrutivo para se ver como Hitch e seu roteirista John Michael Hayes acrescentaram carne e músculos ao protagonista, tornando-o uma espécie de Robert Capa, o grande fotógrafo da agência Magnum, que, como Jeff na história, não perdia uma foto por nada (morreria fotografando no Vietnã). Mas, exceto por isto, a adaptação seguiu a trama de Woolrich, cujo poder de observação e descrição podia ser diabólico.

Tramas imprevisíveis
Tanto quanto a câmera de Hitchcock, ele também nos aprisiona diante daquela janela, da qual só nos levantamos quando o conto acaba. O qual nem é o melhor dos cinco contos do livro. A palma vai para "Três Horas", um clássico do suspense, elemento usado com freqüência pelo autor.
Em suas histórias, alguém -culpado ou inocente, não importa- está sempre lutando contra algo que tem dia e hora marcados para acontecer e que representará a morte ou a destruição. Aqui, trata-se de um homem sozinho em casa e amarrado ao lado de uma bomba ajustada para explodir às 15h. "Homicídio Trocado", outro conto da coletânea, tem leve sabor de Damon Runyon, embora, com suas tramas que dão uma reviravolta nas frases finais, o autor esteja mais para o clássico O'Henry.
Woolrich era um personagem tão interessante quanto os que inventava. Só saía de casa para passear pelas docas de Nova York, vestido de marinheiro e sempre em busca de um. Dedicou um de seus livros a sua máquina de escrever. Ao morrer, legou US$ 800 mil à Universidade de Columbia para um programa de bolsas de estudos para estudantes pobres de jornalismo. Mas não em seu nome, e sim no de sua mãe -que ele nunca permitiu que lesse seus livros.

JANELA INDISCRETA
Autor: Cornell Woolrich
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 33 (208 págs.)
Avaliação: bom



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