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LIVROS
Crítica/"Janela Indiscreta"
Texto de Woolrich pode ser diabólico
É lançada coletânea com o conto que inspirou "Janela Indiscreta", de Hitchcock; personagem de Grace Kelly não existe
RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
O
autor de mistério Cornell Woolrich (1903-1968) fez de tudo para
fracassar. Era retraído e/ou
agressivo, não se dava com ninguém, morava (com a mãe) em
pardieiros do Harlem, escondia-se sob pseudônimos (William Irish, o mais conhecido) e
não praticava nem vestígio de
"vida literária". Mas tinha um
mercado cativo para tudo que
publicava e, desde sempre, o cinema adorou filmar seus contos e romances. Era perseguido
pelo sucesso, graças a seu talento e imaginação.
Entre as dezenas de filmes tirados das histórias de Woolrich, contam-se "A Dama Fantasma" (1944), que William
Dieterle adaptou do romance
"The Phantom Lady" (tendo no
elenco Aurora Miranda, irmã
de Carmen), e os dois que François Truffaut filmou, um a seguir ao outro: "A Noiva Estava
de Preto" (1968) e "A Sereia do
Mississippi" (1969).
Mas não adianta: Woolrich
está condenado a ser o autor do
conto "It Had to Be Murder"
(1942) em que Alfred Hitchcock se baseou para rodar "Janela Indiscreta" (1954). "Janela
Indiscreta e Outros Contos", o
livro, acaba de sair pela Companhia das Letras, que já lançou
outros romances do escritor.
"Janela Indiscreta", o filme, é
tão marcante que, ao ler o conto, escalamos mentalmente James Stewart no papel do fotógrafo engessado e preso à cadeira de rodas, de olho na vida
alheia, e sentimos falta de Grace Kelly, cujo papel não existe
no original.
É instrutivo para se ver como
Hitch e seu roteirista John Michael Hayes acrescentaram
carne e músculos ao protagonista, tornando-o uma espécie
de Robert Capa, o grande fotógrafo da agência Magnum, que,
como Jeff na história, não perdia uma foto por nada (morreria fotografando no Vietnã).
Mas, exceto por isto, a adaptação seguiu a trama de Woolrich, cujo poder de observação
e descrição podia ser diabólico.
Tramas imprevisíveis
Tanto quanto a câmera de
Hitchcock, ele também nos
aprisiona diante daquela janela, da qual só nos levantamos
quando o conto acaba. O qual
nem é o melhor dos cinco contos do livro. A palma vai para
"Três Horas", um clássico do
suspense, elemento usado com
freqüência pelo autor.
Em suas histórias, alguém
-culpado ou inocente, não importa- está sempre lutando
contra algo que tem dia e hora
marcados para acontecer e que
representará a morte ou a destruição. Aqui, trata-se de um
homem sozinho em casa e
amarrado ao lado de uma bomba ajustada para explodir às
15h. "Homicídio Trocado", outro conto da coletânea, tem leve
sabor de Damon Runyon, embora, com suas tramas que dão
uma reviravolta nas frases finais, o autor esteja mais para o
clássico O'Henry.
Woolrich era um personagem tão interessante quanto os
que inventava. Só saía de casa
para passear pelas docas de Nova York, vestido de marinheiro
e sempre em busca de um. Dedicou um de seus livros a sua
máquina de escrever. Ao morrer, legou US$ 800 mil à Universidade de Columbia para
um programa de bolsas de estudos para estudantes pobres de
jornalismo. Mas não em seu
nome, e sim no de sua mãe
-que ele nunca permitiu que
lesse seus livros.
JANELA INDISCRETA
Autor: Cornell Woolrich
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 33 (208 págs.)
Avaliação: bom
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