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LIVROS
Crítica/"O País dos Petralhas'/ruim
Monólogos azedos de Reinaldo Azevedo substituem argumentação por injúrias
ALESSANDRO PINZANI
ESPECIAL PARA A FOLHA
O
mundo de Reinaldo
Azevedo é um mundo
onde existem o certo e
o errado, onde vigoram postulados indiscutíveis como "nunca houve socialismo democrático" (as grandes socialdemocracias européias nunca existiram, então) ou "tudo o que é
ruim para o PT é bom para o
Brasil" (e vice-versa).
Qualquer tentativa de pôr em
questão o que ele considera
certo é "o triunfo do relativismo, da moral de ocasião, que
serve aos assaltantes do Estado", o triunfo do mal, que ele
define como a "incapacidade de
evocar uma tradição abstrata,
puramente valorativa, para dizer "isso não!'" (p. 298).
Naturalmente, a tradição em
questão não é a da justiça social, o "isso não!" não é a reação
perante a miséria e as condições inumanas nas quais vive a
maioria dos brasileiros.
Isso seria "utopismo" de desgraça, ou "cretinismo político",
como aquele do qual Azevedo
acusa, por exemplo, Chico
Buarque (p. 293) sem tentar
desmontar a sua argumentação, aliás, sem tentar nem sequer entendê-la (neste caso específico, Chico fala de uma violência generalizada que tomou
conta da sociedade inteira,
classe média incluída, e não somente das áreas "marginais").
Em geral, Azevedo nunca
tenta colocar-se no ponto de
vista do outro, ou melhor, do
seu adversário (já que, para ele,
os que têm uma opinião discordante da sua são inimigos, malvados, idiotas, canalhas etc.).
Ele afirma ter direito ao preconceito. Só que isso o leva simplesmente a cobrir de injúrias
os que têm uma visão de mundo diferente, não a entrar num
debate com eles. Claro, ninguém se interessaria em debater com pessoas que considera
idiotas, canalhas etc.
Mas assim, inevitavelmente,
o livro se apresenta como um
conjunto de monólogos azedos
e raivosos nos quais a ironia é
substituída pelo escárnio, a argumentação (e Azevedo tem argumentos e, às vezes, bons argumentos) pela injúria.
Repetição
Isso torna a leitura extremamente cansativa, já que os insultos se repetem, a polêmica
política (sempre em tons excessivos) entra até em textos
dedicados à literatura, as piadas e os trocadilhos são reiterados tantas vezes que perdem
sua graça.
Fica a impressão de que uma
mente potencialmente brilhante resolveu desperdiçar-se
numa longa, incansável invectiva contra tudo aquilo de que
ela não gosta, sem tentar entender em momento nenhum a
posição do outro.
Em alguns momentos, Azevedo argumenta como um conservador que defende uma certa visão da relação entre Estado
e cidadão (não-interferência do
primeiro na vida privada do segundo) ou determinados valores morais (por ex. em relação
ao sexo entre adolescentes);
mas não consegue segurar-se e
escorrega imediatamente para
o lado da polêmica feroz e da ridicularização do governo PT.
Não é assim que os grandes
polemistas conservadores norte-americanos (dos quais Azevedo deve gostar) vêem suas tarefas. Mas afinal, a revista "Veja", com certeza, não é a "National Review", e Azevedo tampouco é Christopher Buckley
ou Rich Lowry.
Ele lembra antes Ann Coulter ou Michelle Malkin pelo
modo de fazer polêmica substituindo por insulto pessoal os
argumentos baseados em pesquisas jornalísticas, em dados
econômicos, em fatos historicamente comprováveis.
Um estilo deste tipo pode encontrar sucesso entre uma porção de público brasileiro (a parcela cuja atividade cultural se
limita à leitura de livros de auto-ajuda e a assistir a novelas),
que pode até ser uma porção
majoritária entre os brasileiros
que, ao menos, lêem algo (ou
têm a possibilidade econômica
e o lazer para fazê-lo).
Mas a quantidade de leitores
não é garantia da boa qualidade
do texto.
ALESSANDRO PINZANI é professor de filosofia
política na UFSC (Universidade Federal de Santa
Catarina)
O PAÍS DOS PETRALHAS
Autor: Reinaldo Azevedo
Editora: Record
Quanto: R$ 38 (338 págs.)
Avaliação: ruim
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