São Paulo, sábado, 25 de outubro de 1997.




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HISTÓRIA
Professor lança estudo em que analisa a participação de alemães civis no holocauto
Goldhagen derruba mitos nazistas

LUIS S. KRAUSZ
especial para a Folha

Daniel Jonah Goldhagen, 37, historiador e professor da Universidade de Harvard, vem provocando intensa polêmica internacional desde que publicou, em abril de 96, o livro "Os Carrascos Voluntários de Hitler", recém-lançado no Brasil pela Cia. das Letras.
Sua originalidade ao abordar o genocídio judaico está em se dirigir a uma questão aparentemente simples: por que os alemães comuns cumpriram as ordens emitidas pelo governo nazista para matar os judeus?
A resposta encontra-se nas mais de 500 páginas deste livro. Goldhagen mostra que durante a guerra, os alemães tinham plena consciência do extermínio de judeus e que o povo via os judeus como perniciosos e racialmente inferiores.
Leia a seguir a entrevista que Goldhagen concedeu à Folha em São Paulo.

Folha - O sr. mostra que os executores do holocausto foram alemães comuns. Como ninguém percebeu isso antes?
Daniel Jonah Goldhagen -
Houve muitos mitos em torno do holocausto: dizia-se que os perpetradores foram os homens da SS e os nazistas. Ao fim da guerra, os alemães diziam que não sabiam o que tinha se passado, ou que tinham sido obrigados a matar, sob ameaça de serem enviados aos campos de concentração. Mas o postulado de que um regime de terror obrigou os alemães a fazer o que fizeram está errado. Ele isenta a população de qualquer responsabilidade, colocando-a inteiramente sobre os líderes. Era interesse das potências ocidentais aceitar tais mitos. Com o surgimento da guerra fria, a Alemanha tornou-se um importante aliado no confronto com os soviéticos.
Folha - Antes de Hitler, os judeus se imaginavam seguros na Alemanha. Como explicar tal engano?
Goldhagen -
Um fator crítico fazia com que eles se sentissem em casa: o anti-semitismo existia na Europa inteira, mas, na Alemanha, parecia que as coisas estavam melhorando. O Estado do Kaiser Wilhelm e a República de Weimar não permitiam matanças de judeus, ao contrário do que acontecia nos países do Leste.
Folha - Qual é a situação do anti-semitismo no mundo hoje?
Goldhagen -
As visões demonológicas que sustentaram o anti-semitismo durante séculos não existem mais. O mundo cristão está trabalhando para reduzir o anti-semitismo. Ninguém é capaz de prever o futuro, mas não creio que os judeus estejam, hoje, sob a ameaça de assassínio em massa.
Folha - O que o sr. pensa sobre a recepção que seu livro teve na Alemanha, onde já vendeu mais de 180 mil exemplares?
Goldhagen -
É um sinal seguro de uma mudança radical na mentalidade do país. Houve uma mudança qualitativa no preconceito: os judeus, que antes eram considerados como o mal absoluto e como uma ameaça biológica, hoje são, no máximo, alvo de uma antipatia baseada em estereótipos tênues.
Folha - Que papel tem seu livro no debate sobre o holocausto?
Goldhagen -
Fez o foco da discussão passar dos conceitos abstratos para os seres humanos. Os executores foram pessoas, não categorias teóricas. Meu livro também explodiu o mito de que alemães e nazistas foram coisas diversas. O álibi do "nazista malvado" não existe mais.
Folha - Que dizer da participação de outras populações civis no genocídio?
Goldhagen -
Eu igualo os austríacos aos alemães em meu livro. A Áustria era parte da Alemanha a partir de 1938. Quanto aos cidadãos de outros países, não são o foco de meu estudo. Limitei-me aos alemães pois se não fossem eles não teria havido holocausto.



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