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CONTARDO CALLIGARIS
Deprimentes antidepressivos
Desde o começo deste século,
apareceram uma série de maneiras de medicar nossos "nervos":
aos opiáceos sucedeu a coca, daí
foi a vez dos barbitúricos, logo
vieram as anfetaminas e enfim
chegaram os calmantes, Valium e
companhia. Há uma espécie de
alternância: uma substância para descer e outra para subir.
Será que a felicidade se encontra dormindo tranquilamente ou
acordando de vez?
Todos esses remédios habitam
uma estreita fronteira entre o fármaco e a droga. Eles respondem a
necessidades médicas, mas são logo adotados como corretivos da
banalidade cotidiana.
São substâncias que modificam
imediatamente nossa presença
no mundo. Com elas, podemos
apagar ou nos animar ou mesmo
tomar tudo misturado e ficar zonzos e alucinados. O propósito é
tão terapêutico quanto hedonista. Além da cura, elas deixam entrever a procura de uma experiência inédita: sair do ar ou então ficar na onda três dias a fio.
Ora, nessa sequência de remédios, a moda mais recente seria os
antidepressivos. Mas curiosamente eles não cabem na série,
pois não são psicotrópicos. Os antidepressivos levam duas semanas para se tornar ativos.
Mesmo com esse atraso, eles
não prometem uma alteração da
experiência, mas apenas uma
tranquila variação do humor
acompanhada, aliás, de efeitos secundários que certamente não se
integram num projeto de novas
experiências e prazeres -por
exemplo, uma perda de desejo sexual. Em suma, os antidepressivos não são pílulas da felicidade.
Eles se apresentam como verdadeiros e simples remédios. Ninguém tomaria um Prozac escondido para ficar alegre uma noite.
Deve ser por isso que os antidepressivos se tornaram de fato
uma panacéia psíquica. Os psiquiatras, felizes de não ter de despistar toxicômanos enrustidos,
acabam prescrevendo-os como se
valessem para tudo: depressão,
obsessão, fobia, pânico, angústia
etc. Na verdade, o que reúne esses
sofrimentos diferentes é a vontade dos médicos de prescrever, enfim, um remédio para o sofrimento psíquico que não seja pedido
nem usado como uma droga.
Essa é a vantagem do antidepressivo. Com ele, parece que podemos tratar nossos sintomas psíquicos como pneumonias.
O sucesso dos antidepressivos
na década de 90 não é o fruto de
nenhum triunfo da ciência. É
muito mais a consequência de
uma atitude nova em nossa cultura: queremos que nosso sofrimento psíquico deixe de ser um
drama subjetivo, mas seja visto e
vivido como um problema médico. Gostaríamos, em suma, de desistir da cansativa tarefa de mudar.
É frequente, por exemplo, encontrar indivíduos que se acham
depressivos, decidem se curar e ficam literalmente na espera do
efeito dos remédios. "Vou tomar
Prozac", e com isso parece que
não há mais nada a fazer. O recurso ao remédio dispensa a necessidade do esforço subjetivo.
Não precisa fazer nada, é só se armar de paciência e esperar que a
serotonina faça seu trabalho, assim como esperaríamos que a penicilina matasse os bacilos.
Certo: quem pedia Valium,
Nembutal ou Simpamina confiava nas pílulas, mas também corria atrás de experiências novas.
Aos antidepressivos não é pedida nenhuma experiência extraordinária, só que tratem nosso mal-estar como se fosse uma disfunção
do corpo. É uma espécie de círculo, pelo qual nossa época tem o remédio que merece.
Queremos desistir de ser sujeitos, isso nos deprime. Melhor dito,
isso é a própria depressão: sermos
reduzidos aos quilos de nossos
corpos. Desistimos também dos
esforços subjetivos para sair dessa
e consequentemente pedimos
uma medicação que funcione como se fosse para uma pneumonia. Inventamos uma: os antidepressivos. O círculo fecharia se
não fosse o problema de os antidepressivos não serem nem de
longe tão eficazes quanto os antibióticos.
Surpresa: I. Kirsch e G. Sapirstein publicaram no ano passado
a análise de 19 experiências clínicas com antidepressivos. Concluíram que o efeito produzido pelos
antidepressivos é, no mínimo, em
75% dos casos, um efeito placebo.
Ou seja, uma substância inativa
qualquer, (açúcar com farinha,
por exemplo) administrada como
se fosse um antidepressivo, produz quase os mesmos efeitos do
que o remédio. No máximo, 25%
do efeito medicamentoso dos antidepressivos poderia ser (eles não
escrevem "é", mas "poderia ser")
devido à medicação.
Agora a mesma equipe da Universidade de Connecticut acaba
de revisar as experiências graças
às quais o Prozac foi autorizado
nos EUA. A conclusão é pior: 90%
dos efeitos produzidos pela medicação seriam produzidos por um
placebo.
Ironia: queremos ser curados de
nossos males psíquicos como se
fossem gripes. Pedimos antidepressivos para evitar complicados
envolvimentos subjetivos (tentar
mudar de vida, de idéias, de rumo, sei lá). Ora, descobre-se que o
sucesso dos antidepressivos não
depende de sua composição química, mas de nosso desejo de sermos curados -pois os placebos
produzem os mesmos "milagres"
que os remédios.
Decididamente, desistir de nossa subjetividade é mais difícil do
que parece.
E-mail: ccalligari@uol.com.br
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