São Paulo, sexta-feira, 25 de novembro de 2005

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"FLORES PARTIDAS"

Jarmusch cria Don Juan ocupado com seu próprio vazio

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O tempo sempre foi uma preocupação essencial para Jim Jarmusch, cuja carreira começou marcada por longos planos-seqüência separados por "fades" (escurecimento seguido de clareamento da imagem). Sobretudo agora, na maturidade, e quando trata de um velho Don Juan, na pessoa de Don (Bill Murray).
Don é um estranho sedutor, que passa a maior parte do tempo dentro de sua sala ou na companhia de Winston, o vizinho detetive amador. É esse detetive, aliás, que o convence a investigar o mistério da carta anônima de uma mulher que diz ter tido um filho dele. Don, diga-se a bem da verdade, não vê nenhum mistério nem interesse no caso.
Winston estabelece a lista de garotas com quem Don andou mais ou menos naquela época, e este, mais por falta do que fazer, aparentemente, sai em viagem. "Flores Partidas" é o relatório dos reencontros com as antigas amantes. Quem elas foram, o que se tornaram. Como uma ex-hippie como Dora (Frances Conroy) se tornou ativa corretora de imóveis é um mistério. O filme não ajudará a resolvê-lo, até porque não é a isso que se propõe.
Da mesma forma, nos perguntamos o que ocorreu com Carmen (Jessica Lange), hoje uma espécie de dr. Dolittle. Algumas, em especial Penny (Tilda Swinton), deixam claro que não foi fácil continuar após se separar de Don. Com Laura (Sharon Stone) não é, evidentemente, o que se passou.
Aos poucos notamos a existência de alguns mistérios conexos ao correr do tempo: o da relação entre homens e mulheres, por exemplo, e o do destino que é dado viver a cada pessoa e que se impõe de modo independente de sua determinação.
Talvez essas características sejam ressaltadas pelo silêncio que "Flores Partidas" dedica a Don. Don Juan de cinema que se preze ostenta o nome Mastroianni ou, vá lá, Brad Pitt. Mas Bill Murray? Compreende-se que com ele aconteça uma estranha aventura em Tóquio. Já um Don Juan é desejável que seja ou excepcionalmente atraente ou extremadamente dedicado às mulheres. Pelo que mostra, Don não é uma coisa nem outra. É um homem ocupado antes de tudo com o próprio vazio. E ele é imenso a ponto de contaminar o filme e enfraquecê-lo: o vazio de Don é grande demais para ser tão desinteressante; não raro, se torna difícil distinguir o vazio do mero tempo morto.
Mas, assim como tudo se revigora ao longo do filme, também o final -em que se quebra a impassibilidade do morto-vivo sedutor e se revela seu oposto- não deixa de ser muito interessante.


Flores Partidas
Broken Flowers
   
Direção: Jim Jarmusch
Produção: EUA, 2005
Com: Bill Murray, Sharon Stone
Quando: a partir de hoje nos cines Kinoplex Itaim, Sala UOL e circuito


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