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"FLORES PARTIDAS"
Jarmusch cria Don Juan ocupado com seu próprio vazio
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O tempo sempre foi uma
preocupação essencial para
Jim Jarmusch, cuja carreira começou marcada por longos planos-seqüência separados por "fades"
(escurecimento seguido de clareamento da imagem). Sobretudo
agora, na maturidade, e quando
trata de um velho Don Juan, na
pessoa de Don (Bill Murray).
Don é um estranho sedutor, que
passa a maior parte do tempo
dentro de sua sala ou na companhia de Winston, o vizinho detetive amador. É esse detetive, aliás,
que o convence a investigar o mistério da carta anônima de uma
mulher que diz ter tido um filho
dele. Don, diga-se a bem da verdade, não vê nenhum mistério
nem interesse no caso.
Winston estabelece a lista de garotas com quem Don andou mais
ou menos naquela época, e este,
mais por falta do que fazer, aparentemente, sai em viagem. "Flores Partidas" é o relatório dos
reencontros com as antigas
amantes. Quem elas foram, o que
se tornaram. Como uma ex-hippie como Dora (Frances Conroy)
se tornou ativa corretora de imóveis é um mistério. O filme não
ajudará a resolvê-lo, até porque
não é a isso que se propõe.
Da mesma forma, nos perguntamos o que ocorreu com Carmen (Jessica Lange), hoje uma espécie de dr. Dolittle. Algumas, em
especial Penny (Tilda Swinton),
deixam claro que não foi fácil
continuar após se separar de Don.
Com Laura (Sharon Stone) não é,
evidentemente, o que se passou.
Aos poucos notamos a existência de alguns mistérios conexos
ao correr do tempo: o da relação
entre homens e mulheres, por
exemplo, e o do destino que é dado viver a cada pessoa e que se impõe de modo independente de
sua determinação.
Talvez essas características sejam ressaltadas pelo silêncio que
"Flores Partidas" dedica a Don.
Don Juan de cinema que se preze
ostenta o nome Mastroianni ou,
vá lá, Brad Pitt. Mas Bill Murray?
Compreende-se que com ele
aconteça uma estranha aventura
em Tóquio. Já um Don Juan é desejável que seja ou excepcionalmente atraente ou extremadamente dedicado às mulheres. Pelo
que mostra, Don não é uma coisa
nem outra. É um homem ocupado antes de tudo com o próprio
vazio. E ele é imenso a ponto de
contaminar o filme e enfraquecê-lo: o vazio de Don é grande demais para ser tão desinteressante;
não raro, se torna difícil distinguir
o vazio do mero tempo morto.
Mas, assim como tudo se revigora ao longo do filme, também o
final -em que se quebra a impassibilidade do morto-vivo sedutor
e se revela seu oposto- não deixa
de ser muito interessante.
Flores Partidas
Broken Flowers
Direção: Jim Jarmusch
Produção: EUA, 2005
Com: Bill Murray, Sharon Stone
Quando: a partir de hoje nos cines Kinoplex Itaim, Sala UOL e circuito
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