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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
Poesia em questão
"Poéticas do Olhar" reflete esse quadro plural e novo
que a universidade tenta não perder de vista
AO LONGO dos anos 90, o debate
sobre a poesia contemporânea brasileira experimentou
um forte deslocamento, migrando
primeiro da academia e do jornal
diário para as revistas especializadas, nunca tantas e tão longevas, e,
mais recentemente, para a internet
e seus blogs. O paradoxo é que esse
alargamento da conversa (democráticas, as revistas acolhem inquietações e dicções, tateantes ou não, da
mais variada espécie) também pode
ser sentido como uma diluição de
seus contornos, incapacidade de
apreender um objeto em fuga.
Nosso campo literário não cabe
mais na polarização cerrada e belicosa entre os poetas formalistas e os
que formavam ao lado da urgência
de expressão da experiência subjetiva. A relação com a herança modernista e com o mercado livreiro é, hoje, mais complexa e móvel, tendo levado o alinhamento partidário a cair
em desuso. Quem partir em busca
de linhas nítidas e um foco ordenado
no panorama contemporâneo (seja
para acentuar sua riqueza, seja para
apontar sua carência) tende, portanto, a se embaraçar.
Do título à arquitetura interna,
"Poéticas do Olhar e Outras Leituras
de Poesia", coletânea lançada pela
7Letras, reflete esse quadro plural e
novo que a universidade tenta não
perder de vista. Célia Pedrosa (UFF)
e Maria Lúcia de Barros Camargo
(UFSC) reuniram trabalhos de estudiosos de vários centros, explorando
o tema com recortes diversos. As seções "Poéticas do olhar" e "Travessias poéticas" mostram o esforço de
compreensão e valorização dessa
linguagem da instabilidade, que se
recusa à cristalização, à representação de objetos ou sentidos fixos,
adepta de uma forma análoga a sua
subjetividade fraturada.
Vale evocar uma nova fenomenologia do olhar em Artaud (Ana Kiefer) ou as relações entre palavra e
imagem a partir de Lyotard (Célia
Pedrosa). Vale pensar a ruptura de
gêneros, que aproxima prosa da
poesia em Murilo Mendes, ou a delicada constituição de uma voz autoral nos curtos-circuitos entre biografia e obra em Ana Cristina César
(Maria Lúcia Camargo).
"Mapas de época: anos 70 e depois" traz Waly Salomão e John
Ashberry em conjunção, no ensaio
de Maurício Vasconcellos, e uma incursão a um lirismo quase bandeiriano e a reflexão metapoética em
Francisco Alvim (Viviana Bosi), dimensões menos exploradas pela crítica. "Galáxias neobarrocas" trata da
vertente moderna do barroco na
poesia ibérica e brasileira, e "Poesia
hoje" traz, além de provocativos textos de Carlos Eduardo S. Capella e
Manuel Ricardo de Lima, um sugestivo paralelo com a experiência portuguesa a partir dos anos 70. Curioso que, em meio à constatação de
tantos "entrelugares", a análise propriamente dita se concentre em alguns poucos mesmos nomes (Leminski, Ana Cristina César, Francisco Alvim e, os novos, Carlito Azevedo e Manoel de Barros), já quase canônicos. Que venham outros!
POÉTICAS DO OLHAR E OUTRAS LEITURAS DE POESIA
Organizadoras: Célia Pedrosa e Maria Lúcia de B. Camargo
Editora: 7Letras
Quando: R$ 38 (252 pág.)
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