São Paulo, sábado, 25 de novembro de 2006

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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

Poesia em questão

"Poéticas do Olhar" reflete esse quadro plural e novo que a universidade tenta não perder de vista

AO LONGO dos anos 90, o debate sobre a poesia contemporânea brasileira experimentou um forte deslocamento, migrando primeiro da academia e do jornal diário para as revistas especializadas, nunca tantas e tão longevas, e, mais recentemente, para a internet e seus blogs. O paradoxo é que esse alargamento da conversa (democráticas, as revistas acolhem inquietações e dicções, tateantes ou não, da mais variada espécie) também pode ser sentido como uma diluição de seus contornos, incapacidade de apreender um objeto em fuga.
Nosso campo literário não cabe mais na polarização cerrada e belicosa entre os poetas formalistas e os que formavam ao lado da urgência de expressão da experiência subjetiva. A relação com a herança modernista e com o mercado livreiro é, hoje, mais complexa e móvel, tendo levado o alinhamento partidário a cair em desuso. Quem partir em busca de linhas nítidas e um foco ordenado no panorama contemporâneo (seja para acentuar sua riqueza, seja para apontar sua carência) tende, portanto, a se embaraçar.
Do título à arquitetura interna, "Poéticas do Olhar e Outras Leituras de Poesia", coletânea lançada pela 7Letras, reflete esse quadro plural e novo que a universidade tenta não perder de vista. Célia Pedrosa (UFF) e Maria Lúcia de Barros Camargo (UFSC) reuniram trabalhos de estudiosos de vários centros, explorando o tema com recortes diversos. As seções "Poéticas do olhar" e "Travessias poéticas" mostram o esforço de compreensão e valorização dessa linguagem da instabilidade, que se recusa à cristalização, à representação de objetos ou sentidos fixos, adepta de uma forma análoga a sua subjetividade fraturada.
Vale evocar uma nova fenomenologia do olhar em Artaud (Ana Kiefer) ou as relações entre palavra e imagem a partir de Lyotard (Célia Pedrosa). Vale pensar a ruptura de gêneros, que aproxima prosa da poesia em Murilo Mendes, ou a delicada constituição de uma voz autoral nos curtos-circuitos entre biografia e obra em Ana Cristina César (Maria Lúcia Camargo).
"Mapas de época: anos 70 e depois" traz Waly Salomão e John Ashberry em conjunção, no ensaio de Maurício Vasconcellos, e uma incursão a um lirismo quase bandeiriano e a reflexão metapoética em Francisco Alvim (Viviana Bosi), dimensões menos exploradas pela crítica. "Galáxias neobarrocas" trata da vertente moderna do barroco na poesia ibérica e brasileira, e "Poesia hoje" traz, além de provocativos textos de Carlos Eduardo S. Capella e Manuel Ricardo de Lima, um sugestivo paralelo com a experiência portuguesa a partir dos anos 70. Curioso que, em meio à constatação de tantos "entrelugares", a análise propriamente dita se concentre em alguns poucos mesmos nomes (Leminski, Ana Cristina César, Francisco Alvim e, os novos, Carlito Azevedo e Manoel de Barros), já quase canônicos. Que venham outros!


POÉTICAS DO OLHAR E OUTRAS LEITURAS DE POESIA    
Organizadoras: Célia Pedrosa e Maria Lúcia de B. Camargo
Editora: 7Letras
Quando: R$ 38 (252 pág.)


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