São Paulo, sábado, 25 de novembro de 2006

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Tolentino monta drama familiar sueco

Diretor e fundador do grupo Tapa conduz o espetáculo "Outono e Inverno", texto assinado pelo dramaturgo Lars Norén

Com elenco encabeçado por Sérgio Brito e Suely Franco, peça entra em cartaz hoje no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Casados há 40 anos, o pai e a mãe recebem as duas filhas quarentonas para o jantar. Entre quatro paredes, o rumor da língua bate nas memórias com tal força que o quarteto não sairá dali da mesma forma que entrou. Ressuscita fantasmas e vomita dores e humores ácidos numa longa jornada noite adentro. Ou foi assim também no encontro do mês passado?
A repetição de padrões no interior de uma família burguesa, mas que poderia ser de classe média, seus cacoetes e dissimulações, são evidenciados pelo dramaturgo sueco Lars Norén, 62, em "Outono e Inverno", primeiro texto do autor a ganhar os palcos brasileiros.
A montagem desse drama realista, assinada por Eduardo Tolentino de Araújo, estreou em maio no Rio, fez temporada em Brasília e entra em cartaz hoje em São Paulo, no Centro Cultural Banco do Brasil.
Sérgio Brito, Suely Franco, Denise Weinberg e Emília Rey são os intérpretes incumbidos de dar conta desse universo íntimo, explosivo e cruel. Erik (Brito) e Margareta (Franco) dormem separados há 20 anos, ou seja, metade do tempo que vivem sob o mesmo teto. Ele, um médico de carreira medíocre, é consumido pela relação obsessiva com a mãe que sofria distúrbios mentais.
Sobretudo por isso, a mulher e as filhas são preteridas. "O Erik é cobrado pela falta que fez como o homem da família, o macho. A não-relação afeta a todos", diz Brito, 83. Única presença masculina na peça, seu personagem passa boa parte do tempo calado, tomando uísque ou comendo chocolate. "Não podíamos ficar em silêncio mais 20 anos?", chega a propor, em pleno olho do furacão.
Margareta (Weinberg) sublinha o papel de "homem da casa", além de matriarca mão-de-ferro. Arrepende-se de não ter levado adiante uma história com um amante, ainda que a falta de coragem tenha se dado por álibi burguês: o sujeito morava de aluguel. "Foi o erro da minha vida", admite.
"É uma personagem no típico papel de mãe. Quando surgem problemas na relação com o marido, sobra para os filhos", afirma Suely Franco, 66, que substitui Laura Cardoso na temporada paulistana.
Cabe à caçula Ann (Weinberg) o instinto mais furioso, sísmico. É ela quem solta os cachorros para cima de todos. Separada, mãe de um garoto, desembucha ressentimentos, dispara palavrões e revolve cascas de feridas que nunca cicatrizam -dela e dos outros. "Ann é um símbolo das pessoas que ficam emperradas numa neurose e não conseguem sair. Já está perto dos 50 anos, mas fica falando do mesmo assunto", diz Weinberg, 50. Ela reclama das dificuldades que enfrenta para sobreviver, mãe solteira que não pode comprar um jogo de jantar, mas reproduz os mesmos valores de Margareta, que não descuida da casa em meio aos embates.
"Ann é tão pequeno-burguesa quanto. Inveja a outra irmã, Ewa [Emília Rey], que tem posição financeira melhor. A peça mexe com contextos humanos conhecidos, os modelos de nossos país que depois nos vemos com dificuldades em assumir", diz Weinberg.
A atriz reencontra Tolentino após seis anos, eles que foram co-fundadores do grupo Tapa, em 1979, no Rio.
Para o diretor Tolentino, 51, a questão fundamental da peça é o amor: como o ser humano às vezes lida de forma desastrosa com esse sentimento. Casamento, emprego, dinheiro, uma casa linda, um jardim espaçoso, nada concorre mais para esse "contrato" do que aquilo que se empurra para debaixo do tapete ou se murmura com medo de que o vizinho ouça. "Todos têm um pouco de razão. Eles se odeiam porque se amam", diz o diretor. A ambigüidade é familiar a todos.


OUTONO E INVERNO
Quando:
estréia hoje, às 19h30; de qui. a sáb., às 19h30; dom., às 18h; até 17/ 12
Onde: CCBB-SP (r. Álvares Penteado, 112, tel. 0/xx/11/3113-3651)
Quanto: R$ 15


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