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Tolentino monta drama familiar sueco
Diretor e fundador do grupo Tapa conduz o espetáculo "Outono e Inverno", texto assinado pelo dramaturgo Lars Norén
Com elenco encabeçado por Sérgio Brito e Suely Franco, peça entra em cartaz hoje no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Casados há 40 anos, o pai e a
mãe recebem as duas filhas
quarentonas para o jantar. Entre quatro paredes, o rumor da
língua bate nas memórias com
tal força que o quarteto não sairá dali da mesma forma que entrou. Ressuscita fantasmas e
vomita dores e humores ácidos
numa longa jornada noite
adentro. Ou foi assim também
no encontro do mês passado?
A repetição de padrões no interior de uma família burguesa,
mas que poderia ser de classe
média, seus cacoetes e dissimulações, são evidenciados pelo
dramaturgo sueco Lars Norén,
62, em "Outono e Inverno", primeiro texto do autor a ganhar
os palcos brasileiros.
A montagem desse drama
realista, assinada por Eduardo
Tolentino de Araújo, estreou
em maio no Rio, fez temporada
em Brasília e entra em cartaz
hoje em São Paulo, no Centro
Cultural Banco do Brasil.
Sérgio Brito, Suely Franco,
Denise Weinberg e Emília Rey
são os intérpretes incumbidos
de dar conta desse universo íntimo, explosivo e cruel.
Erik (Brito) e Margareta
(Franco) dormem separados
há 20 anos, ou seja, metade do
tempo que vivem sob o mesmo
teto. Ele, um médico de carreira medíocre, é consumido pela
relação obsessiva com a mãe
que sofria distúrbios mentais.
Sobretudo por isso, a mulher e
as filhas são preteridas.
"O Erik é cobrado pela falta
que fez como o homem da família, o macho. A não-relação afeta a todos", diz Brito, 83. Única
presença masculina na peça,
seu personagem passa boa parte do tempo calado, tomando
uísque ou comendo chocolate.
"Não podíamos ficar em silêncio mais 20 anos?", chega a propor, em pleno olho do furacão.
Margareta (Weinberg) sublinha o papel de "homem da casa", além de matriarca mão-de-ferro. Arrepende-se de não ter
levado adiante uma história
com um amante, ainda que a
falta de coragem tenha se dado
por álibi burguês: o sujeito morava de aluguel. "Foi o erro da
minha vida", admite.
"É uma personagem no típico papel de mãe. Quando surgem problemas na relação com
o marido, sobra para os filhos",
afirma Suely Franco, 66, que
substitui Laura Cardoso na
temporada paulistana.
Cabe à caçula Ann (Weinberg) o instinto mais furioso,
sísmico. É ela quem solta os cachorros para cima de todos. Separada, mãe de um garoto, desembucha ressentimentos, dispara palavrões e revolve cascas
de feridas que nunca cicatrizam -dela e dos outros.
"Ann é um símbolo das pessoas que ficam emperradas numa neurose e não conseguem
sair. Já está perto dos 50 anos,
mas fica falando do mesmo assunto", diz Weinberg, 50. Ela
reclama das dificuldades que
enfrenta para sobreviver, mãe
solteira que não pode comprar
um jogo de jantar, mas reproduz os mesmos valores de Margareta, que não descuida da casa em meio aos embates.
"Ann é tão pequeno-burguesa quanto. Inveja a outra irmã,
Ewa [Emília Rey], que tem posição financeira melhor. A peça
mexe com contextos humanos
conhecidos, os modelos de nossos país que depois nos vemos
com dificuldades em assumir",
diz Weinberg.
A atriz reencontra Tolentino
após seis anos, eles que foram
co-fundadores do grupo Tapa,
em 1979, no Rio.
Para o diretor Tolentino, 51, a
questão fundamental da peça é
o amor: como o ser humano às
vezes lida de forma desastrosa
com esse sentimento. Casamento, emprego, dinheiro,
uma casa linda, um jardim espaçoso, nada concorre mais para esse "contrato" do que aquilo
que se empurra para debaixo
do tapete ou se murmura com
medo de que o vizinho ouça.
"Todos têm um pouco de razão. Eles se odeiam porque se
amam", diz o diretor. A ambigüidade é familiar a todos.
OUTONO E INVERNO
Quando: estréia hoje, às 19h30; de qui.
a sáb., às 19h30; dom., às 18h; até 17/
12
Onde: CCBB-SP (r. Álvares Penteado,
112, tel. 0/xx/11/3113-3651)
Quanto: R$ 15
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