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FERREIRA GULLAR
Rumo à estação Lulândia
Faz muito tempo que
os trabalhadores não fazem greves; a maioria nem vai aos sindicatos
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PEÇO A VOCÊ, caro leitor, que
tente, junto comigo, compreender o que mudou na relação entre sindicalismo e política,
no Brasil, depois do golpe militar de
1964. Sei que alguma coisa mudou,
mas gostaria de definir essa mudança, porque ela envolve a questão do
poder político no país e suas conseqüências futuras.
Já, numa crônica anterior ("Um
operário chega ao paraíso"), tratei
desse assunto, mas acho que alguma
coisa ficou por examinar e entender.
Os cientistas políticos certamente já
deslindaram o problema, mas é que
eu, para bem entender as coisas, tenho que pensá-las à minha maneira,
como se as descobrisse. E pode ser
que, juntos, possamos ver mais claro
esse fenômeno que, por coincidência, depois da crônica a que me referi, veio à tona em função de um projeto de lei, em discussão no Congresso, revogando o imposto sindical. E,
veja você, as lideranças sindicais de
hoje, que surgiram nos anos 70,
combatendo esse imposto, agora o
defendem ferozmente, a ponto de
ameaçarem matar os parlamentares
que votarem por sua revogação. Fica
evidente que alguma coisa mudou,
não é verdade?
O imposto sindical foi criado por
Getúlio Vargas, quando ditador, em
1940, com o propósito de permitir o
funcionamento de sindicatos-fantasma, que prescindiam da participação dos trabalhadores. Tais sindicatos eram manejados por pelegos,
que mais serviam ao governo e aos
patrões do que aos seus companheiros. Não obstante, a atuação do partido comunista e de lideranças independentes autênticas terminaram
por minar o poder dos pelegos e mudar a correlação de forças na área
sindical.
As reivindicações e as greves ganhavam peso, quando o golpe militar de 1964 interveio nos sindicatos,
prendeu e eliminou as lideranças
mais atuantes. Só nos anos 70 surgiriam novas lideranças, contrárias ao
regime autoritário, dentre as quais
se destacou a figura de Lula, e donde
surgiria o Partido dos Trabalhadores. Esse novo sindicalismo não apenas se opunha à ditadura, como retomava as palavras de ordem do socialismo.
A diferença básica entre esse novo
sindicalismo e o antigo estava em
que suas lideranças nasceram ou da
massa trabalhadora ou da militância
de esquerda, sem nenhum vínculo
com o empresariado ou o governo.
Muito pelo contrário, caracterizou-se por sua oposição radical tanto a
um quanto ao outro. E, mesmo depois de finda a ditadura, tendo o PT
como seu representante político, esse radicalismo se manteve.
Mas qual é a situação hoje? Faz
muito tempo que os trabalhadores
não fazem greves. Greves só mesmo
de funcionários públicos, que não
correm risco nenhum ao fazê-las:
não podem ser demitidos, não têm o
ponto cortado e recebem o salário
integral no fim do mês; por isso mesmo, as greves duram indefinidamente. O grevista, se quiser, pode
até arrumar um bico e dobrar seu salário. A maioria do funcionalismo,
que não freqüenta sindicato, apenas
usufrui desse repouso remunerado.
Os dirigentes sindicais, por sua
vez, também não fazem nada, a não
ser zelar pelo funcionamento burocrático dos sindicatos, das federações e das confederações de trabalhadores, cuidando para que nada
mude. Enquanto isso, fazem política
em interesse próprio, se elegem deputados ou conseguem nomeação
para cargos altamente remunerados
em instituições oficiais que, como os
sindicatos, vivem do imposto sindical ou de outros recursos advindos
dos trabalhadores. Esses dirigentes
-os neopelegos- são hoje homens
ricos, têm casas de veraneio e carros
importados. Pertencem à casta dominante. O governo e o empresariado, ao mesmo tempo em que os
usam e os temem, mantêm com eles
um acordo implícito, que convém a
seus mútuos interesses, mas não aos
trabalhadores e ao povo em geral.
Desse modo, temos uma classe
trabalhadora, que sustenta as organizações sindicais sem delas participar e se dá por feliz de ter um emprego e a possibilidade de se aposentar
no fim da vida. Abaixo dela, está a
massa de desempregados, que vive
dos programas sociais do governo e
que é hoje o principal lastro eleitoral
de Lula. Aproximadamente 40 milhões de pessoas.
Se se leva em conta o nível de desmoralização a que chegou o Congresso e o desgaste sofrido pelos partidos, não dá para encarar com otimismo o futuro político do país. A
possibilidade de se atribuir a Lula o
poder de convocar plebiscito, sem
ouvir o Congresso, é uma ameaça
real à democracia, especialmente
depois de ter ele defendido, com ênfase, o direito dos governantes de se
reelegerem indefinidamente.
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