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ANÁLISE
A arte do fenômeno "cafuçu"
XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA
Não há mistério algum
no samba de João do
Morro, caros apanhadores de folclores e exotismos.
Nem samba é, na maioria das
vezes, é gréia, como se traduz livremente no Recife a arte do
chiste, da zorra, da tiração de
onda.
A graça da sua fuleiragem social clube é usar nas letras o dicionário mais "cafuçu" possível, o glossário peba, tosco,
além do brega sentimental e da
simples filosofia popular de
consolação do corno -algo tão
comum na canção romântica.
No pagode do artista, entra o
boyzinho (rapaz) suburbano
que recebe mimos e é sustentado pelo frango (gay no Recife).
E que fique claro: o ativo, nessa
pegada, nunca é considerado
homossexual. O "Papa-frango",
título da faixa de sucesso, é motivo de chacota pela moral econômica de não bancar sua vida.
Para o ouvinte que não conhece as expressões recifenses,
o enredo pode soar um pouco
incompreensível na primeira
audiência. O show de João é o
seu vocabulário, como diz em
"As Nêga Endoida", dirigindo-se a quem o chama para animar
os bailes.
A crônica sobre a boyzinha
(garota) que corre da chuva
com medo de estragar a chapinha todo mundo entende. A letra relata o fenômeno de abertura dos salões de beleza nas
periferias e rima o estoque inteiro de técnicas e produtos para o cabelo: "Umas passam
easy, outras biorene/henê,
hairfly, guarnidina e kolene".
Badalado a partir das carrocinhas e "publicicletas", veículos
que vendem CDs e DVDs piratas, João do Morro e a banda
"Os cara" esticaram seus hits
para a internet, via blogs e
Myspace etc. "Chupa que é de
uva", diz o "cronista da comunidade", como se define, usando a provocação que dá nome a
um outro dos tantos sucessos.
Sua origem é o Morro da
Conceição, no bairro de Casa
Amarela, zona norte, o mais populoso da cidade. Não há segredo no pagode. É a linguagem da
"poeira" (povão no dicionário
popular do Recife) nas letras e
música fácil e sem frescura
emepebística. Como diz Fred
04 em um dos seus sambas esquema noise, não tem mistério.
Tem não.
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