São Paulo, quinta, 25 de dezembro de 1997.




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Tarantino abandona as armas em nome da comédia

Estréia hoje nos Estados Unidos o filme "Jackie Brown", que recupera a estética, as estrelas e as canções dos policiais feitos por e para o público negro nos anos 70
ADRIANE GRAU
especial para a Folha em San Francisco* Três anos depois de "Pulp Fiction - Tempo de Violência", um novo filme de Quentin Tarantino chega aos cinemas. Estréia hoje nos Estados Unidos "Jackie Brown", adaptação do livro "Ponche de Rum", de Elmore Leonard, em que ele assina roteiro e direção.
O filme recebeu duas indicações para o Globo de Ouro -melhor atriz (Pam Grier) e ator (Samuel L. Jackson) de comédia ou musical- e marca uma mudança no estilo do diretor. Há, surpreendentemente, pouca violência.
A atriz negra de 48 anos Pam Grier faz o papel-título, uma aeromoça que contrabandeia dinheiro para o traficantes de armas Ordell Robbie (Samuel L. Jackson).
Pega pela polícia, ela concorda em colaborar na captura de Ordell. O elenco tem ainda Michael Keaton, Robert De Niro, Bridget Fonda e Robert Forster.
Tarantino fez várias alterações na história de Leonard. Reescreveu o papel de Brown especialmente para Grier, numa tentativa de recuperar a carreira da atriz -estrela de filmes "blaxploitation" nos anos 70- como fez com John Travolta. A seguir, trechos de entrevista coletiva concedida por Tarantino em San Francisco.

Pergunta - Este é o filme menos "tarantinesco" de sua carreira?
Quentin Tarantino
- Nunca usaria a expressão "tarantinesco", pois não sei o que significa. Mas acho que todo mundo esperava que "Pulp Fiction" fosse parecido com "Cães de Aluguel" e que "Jackie Brown" fosse como "Pulp Fiction". Não é. Dá para ver que fiz os três filmes, é óbvio, mas não sou uma estrela de rock, não tenho um estilo de música só meu. Não quero que as pessoas vão assistir ao meu próximo filme e sim ao meu novo filme.
Pergunta - Você parece estar fazendo um esforço consciente para se afastar de um certo estilo que é identificado como seu.
Tarantino
- Não foi super consciente na medida em que eu fui atraído por outro tipo de material. Sabia que queria fazer algo menor, onde os personagens fossem mais importantes. Estou muito orgulhoso do fato de a primeira hora do filme servir apenas para o público entender melhor quem eles são. Há vivacidade e veracidade.
Eu conheço bem aquela área de Los Angeles, fiz um esforço consciente para mostrar Carlson, Compton e Hermosa Beach. Cresci por ali. Sabia que teria sido mais fácil construir cenários, mas decidimos filmar em apartamentos de verdade, apesar da dificuldade.
Pergunta - O filme custou US$ 12 milhões. Por que tão barato?
Tarantino
- Não fiz isso só para me exibir. Gosto de ir contra a maré. Ganhei menos para fazer "Jackie Brown" do que para "Pulp Fiction", certo? Mas se o filme for bem na bilheteria, eu me dou bem também. É justo quando você ganha no final do processo. É assim que Clint Eastwood faz. Já vendemos os direitos de distribuição de "Jackie Brown" no estrangeiro por mais de US$ 20 milhões. Já ganhamos de volta o que investimos. Mas o lance é que eu fiz "Jackie Brown" do jeito que quis sem ter de me preocupar com blablablá.
Pergunta - Sabendo que você poderia ter conseguido o que quisesse após "Pulp Fiction", foi difícil manter os pés no chão?
Tarantino
- "Jackie Brown" não deve servir como bandeira para nada. Vou fazer o que puder como homem de negócios para garantir que possamos nos expressar como artistas e continuar ganhando dinheiro no final.
Pergunta - Não houve pressão?
Tarantino
- Nunca pensei sobre isso, nem uma única vez. Nos Estados Unidos, eu era visto apenas como um cara que fazia filmes para uma audiência específica. Após "Pulp Fiction", viram que eu não era apenas uma idiossincrasia, um cara tipo Lou Reed, que tinha meu micropúblico seguidor.
Após decidir o que queria fazer, nunca pensei sobre as pressões do novo filme. Só sabia que queria me apaixonar até encontrar o livro. Pode ser que tivesse sido diferente se eu não fosse escritor. Se fosse simplesmente um diretor as coisas seriam diferentes, eu estaria lendo vários roteiros e talvez eu fosse muito duro com tudo.
Pergunta - O que é mais importante para você? A Palma de Ouro? O sucesso em seu país?
Tarantino
- Recebo muitos elogios, esse lado está coberto. Mas só quero o que qualquer outro artista quer e venho conseguindo: respeito pelo meu trabalho.
Há uma coisa muito legal em fazer minha primeira adaptação. Quando o escritor tem sua própria voz recebe um selo de aprovação de público e crítica. Mas se torna muito facilmente identificado e é fácil as pessoas não darem mais tanto valor a tal voz. Aconteceu com David Mamet, Tennessee Williams e outros. Mas quando você faz uma adaptação, está usando a voz de outra pessoa. Há uma qualidade removida do trabalho.



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