|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O bom velhinho presenteia o Rei
O maestro Ray Conniff, 84, lança "Do Ray para o Rei", primeiro disco só com arranjos orquestrais para sucesss de Roberto Carlos
Divulgação
![](../images/i2512012000.jpg) |
O maestro e trombonista ray Conniff e sua dacela Ginger prontos para o Natal, na casa do músico, em Los Angeles, Califórnia |
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ele mora no norte do planeta,
tem cabelos e barbas brancas e
distribui sorrisos de bom velhinho. Não anda de trenó, mas adora passear de trailer; não fala "ho
ho ho", mas não vive sem fazer
"pá pá pás" e "lá lá lás". O nome
dele é Ray Conniff e ele tem um
presente a anunciar: "Este Natal é
dedicado a Roberto Carlos".
Aos 84 anos, com mais de 300
discos na praça, o maestro-emblema da música orquestral de
ambiente está lançando esta semana seu primeiro disco só com
composições do Rei: "Do Ray para o Rei" (Abril Music).
"Gostaria muito de saber o que
ele vai pensar das versões, pois
não uso suas letras, só arranjos de
coral, fazendo "tãtara tãtara tã tãra
tãtara ta tãta", como na canção
"Amigo'", cantarola em seu estilo
típico o orquestrador.
Em sua primeira temporada
sem vir ao Brasil desde 1969 ("foi
culpa do real, ficou caro"), quando veio ser jurado de um festival,
Conniff decidiu "fazer um tributo" ao amigo, "que passava momentos difíceis".
Sentado em uma poltrona do
"escritório Ray Conniff", em Los
Angeles (EUA), onde vive, o orquestrador conversou, cantarolou e dedilhou seu piano para a
Folha.
"Ray Conniff é uma sonoridade.
Serei sempre lembrado por isso",
cravou ele, que rebateu o rótulo
de "músico de elevador" dizendo
nunca ter ouvido arranjos seus
em nenhum deles.
O dono de uma das franjas mais
populares do mundo lembrou o
seu primeiro contato com o trombone ("chorei"), falou sobre suas
músicas prediletas ("as de Tchaikovski") e as que menos gosta
("rap") e adiantou o presente de
Natal que vai dar hoje para sua filha, Tamara, e para a mulher, Vera: "Adoro trabalhar em madeira.
Boa parte dos móveis aqui de casa
fui eu quem fiz. Este Natal, fiz
uma estante para Tamara. Também comprei jóias para as duas.
As damas adoram as jóias".
Leia a seguir trechos dessa conversa com o Papai Noel da música
orquestral.
Folha - O que lhe atraiu nas canções de Roberto Carlos?
Ray Conniff - As canções dele são
fáceis de adaptar. São muito naturais, melódicas, têm uma boa estrutura. Eu realmente gosto dele.
Acho que nunca fiz um show no
Brasil sem canções como "Emoções" e "Amigos". Quando anuncio que vou tocar Roberto no
show, as damas todas gritam.
Sabe do que gosto mais? Do jeito que ele canta. Quando ouço,
penso: "Uau, é fantástico".
Folha - O que o sr. mais gosta em
seu próprio trabalho?
Conniff - Sou bom com ritmo e
orquestração. Minha orquestração de "Besame Mucho" é um
clássico (e começa a cantarolar tararã tarararararára). As pessoas
nem pensam em mim como um
músico, pensam como um som. O
som de um coral sem palavras. O
som de um ritmo. Os trombones,
os saxofones, os violinos. Ray
Conniff é uma sonoridade. Serei
lembrado para sempre por isso.
Folha - O sr. também recebe muitas críticas negativas. Como o sr.
convive com expressões usadas para definir sua música como, por
exemplo, "música de elevador"?
Conniff - Não sei por que fazem
isso. Tenho 84 anos e em minha
vida já estive em muitos elevadores. Nunca, nunca, nunca ouvi
um de meus arranjos dentro deles. Houve um período, quando
eu era jovem e faminto, em que eu
fiz algumas composições para
uma companhia que vendia músicas para supermercados e outras empresas que não queriam
pagar direitos autorais. Aí sim devo ter sido tocado em elevadores e
lojas de departamento.
Já ouvi muito que sou um músico de elevador. Sempre que isso
acontece, eu penso: "Deus me deu
talento para escrever música. Não
importa o que dizem dela".
Creio que, se os críticos pelo
menos aprenderem a escrever
meu nome do modo correto, com
dois enes e dois efes, está bom.
Folha - O sr. gosta de ouvir seus
arranjos quando está em casa?
Conniff - Tenho de lhe confessar
que quando faço um álbum não
ouço nada que não seja isso. Tenho uma péssima memória, mas
quando trabalho em algum disco
fico com cada uma das notas dessas canções em minha cabeça.
Quando estou no pódio, regendo
de 26 a 30 pessoas, sempre tenho a
partitura na minha frente, mas
nunca preciso olhar para ela.
Fico só com minhas canções.
Quando sobra tempo, ouço os
mestres do passado, como Tchaikovski, ou alguma boa trilha sonora de cinema.
Folha - O sr. escuta algo de músicos jovens?
Conniff - Quando você constrói
uma casa, deve fazer, em primeiro
lugar, uma sólida estrutura. No
meu tipo de música, assim como
no pop, o fundamento é a linha do
baixo. Vou mostrar como Tchaikovski fazia (Conniff começa a
dedilhar a melodia de "Romeu e
Julieta", do compositor russo, em
um piano. Depois toca só o baixo.
Por fim, junta os dois). Ele coloca
melodia e harmonia se entrelaçando, como um casal fazendo
amor. É fantástico. Os jovens não
entendem disso. Fazem tudo soar
como uma coisa só.
Folha - Qual é o estilo de música
que o sr. menos gosta?
Conniff - Não escuto rap. Se estiver em algum lugar e estiver tocando, não direi: "Desliguem essa
porcaria". Mas nunca compraria
um disco de rap. Música é melodia, ritmo e harmonia. Rap não
preenche essas categorias. Tenho
uma ligação afetiva com a música.
Folha - Como o sr. se decidiu a ser
músico?
Conniff - A minha primeira lembrança da infância é a de estar andando de triciclo em um gramado
enquanto meu pai tocava trombone em uma festa noturna. Estou associado à música desde a
minha infância.
A primeira vez que peguei em
um trombone, ainda criança, eu
chorei. Pedi a meu pai que me ensinasse e achava que aprenderia
instantaneamente. Queria fazer
bonito para ele. Fiquei embaraçado. Não consegui tocar nada. Mas
ele foi muito compreensivo e me
deu muito apoio.
Texto Anterior: Relâmpagos - João Gilberto Noll: População Próximo Texto: Músico diz: "É a melhor entrevista de minha carreira" Índice
|