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São Paulo, quinta-feira, 25 de dezembro de 2003

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TRADIÇÃO NATALINA

DANÇA

Composto por Tchaikovski, espetáculo foi da Rússia czarista ao panteão do horário nobre do maior feriado do ano

Charme preserva ícone de "Quebra-Nozes"

NICHOLAS FOX WEBBER
DO "NEW YORK TIMES"

"O Quebra-Nozes", balé que é um ritual de Natal para os norte-americanos todas as religiões e culturas, levou a dança clássica do domínio exclusivo da aristocracia abastada para os auditórios dos colégios de ensino médio.
O fascinante "Nutcracker Nation", de Jennifer Fischer, explora os motivos para que a criação de Tchaikovski (1840-1893), que estreou em 1892 no Balé Imperial de São Petersburgo, tenha se tornado um eterno favorito dos EUA.
Ela amplifica o significado dessa posição em uma sociedade na qual a televisão é o principal veículo para a cultura. "Nutcracker Nation" garimpa a infinidade de maneiras pela qual um único trabalho de arte pode penetrar na vida cotidiana e refletir os valores de todo um país.
Ivan Vsevolozhsky, diretor dos teatros imperiais russos, baseou seu libreto em "O Quebra-Nozes e o Rei Camundongo", um conto escrito por E.T.A. Hoffman em 1816 e recontado por Alexandre Dumas, pai. Marius Petipa, que coreografou a peça, desenvolveu ainda mais a história.
Piótr Ílich Tchaikovski, já famoso como compositor, recebeu instruções precisas para a partitura: "Oito compassos de música misteriosa e terna", "48 compassos de música com um crescendo grandioso". O balé pode ser um feito tão maravilhoso de trabalho de equipe quanto uma catedral gótica. Quando Tchaikovski compôs a música, estava de luto pela morte da irmã. Fischer aponta que o adágio no segundo ato se assemelha a uma oração dos serviços fúnebres da Igreja Ortodoxa Russa.
Mesmo assim, Tchaikovski supostamente detestava a partitura -não a considerava uma rival digna de "A Bela Adormecida", composta por ele dois anos antes, e os críticos de 1892 tampouco mostraram qualquer predisposição favorável.
Boa parte da reação inicial derivava do desempenho insatisfatório das crianças, especialmente a cena de guerra com soldados de brinquedo -interpretados por alunos de uma academia militar- que provavelmente se assemelhava a uma das hilariantes produções de acampamentos de verão que fazem os pais rirem e chorarem ao mesmo tempo.
O balé da era czarista tinha charme suficiente para sobreviver à Revolução Russa e ressurgir em versão atualizada, sociopolítica, durante os primeiros anos da era comunista. Seu futuro foi assegurado quando Serge Diaghilév, Anna Pavlova e Vaslav Nijinski se envolveram em produções de "O Quebra-Nozes". O mais importante é que George Balanchine, em sua juventude, dançou a peça no teatro Mariínsk, onde o balé tivera sua estréia mundial duas décadas antes.
Ainda que "O Quebra-Nozes" tivesse sua primeira produção americana integral realizada pelo balé de San Francisco em 1944, a peça entrou no panteão cultural dos EUA quando Balanchine dirigiu uma versão para o Balé da Cidade de Nova York, em 1954.
O filme "Fantasia", produzido em 1940 por Walt Disney, que incluía trechos animados de "O Quebra-Nozes", com música sob a regência de Leopold Stokowsky, ajudou no processo, mas foi o Balé da Cidade que compreendeu sua extraordinária possibilidade de encantar a todos.
Fisher, que ensina história, teoria e etnologia da dança no Pomona College e na Universidade da Califórnia, não percebe a importância do sucesso desse produto cultural tão tipicamente russo numa época em que a Guerra Fria e as audiências de McCarthy apontavam para a União Soviética como o bastião do mal.
Mas ela ainda assim oferece muitos testemunhos sobre as ramificações culturais do grande entretenimento. Ao descrever a trajetória do balé, de São Petersburgo ao horário nobre do maior feriado do ano, ela demonstra de que maneira "O Quebra-Nozes" se tornou um ícone.


Tradução Paulo Migliacci

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