São Paulo, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

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Mano chique

Grafiteiro de Goiânia, Kboco troca a arte de rua pelo glamour das galerias e se prepara para expor na Suíça, dentro da Art Basel, a maior feira de arte do mundo

João Wainer/Folha Imagem
O artista goiano Kboco em sua casa-ateliê, na Vila Sônia, bairro da zona oeste de São Paulo, cidade onde mora há três anos

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Kboco espia as manobras dos skatistas em cima das esculturas, gotas e estrelas, que montou no porão do Paço das Artes em São Paulo. Ele veste a mesma camiseta branca com padrões geométricos que elogiaram num vernissage nos Jardins na noite anterior e agora se despede dando soquinhos nos colegas, punho contra punho, sem dizer nada.
"Eu só observo", diz Márcio Mendanha de Queiroz, o Kboco, à Folha. Ele é o artista e grafiteiro goiano que, em menos de três anos de vida em São Paulo, trocou a rua pelo cubo branco da galeria, conquistou a simpatia de curadores e alguns desafetos na turma street art.
Depois de expor no Panorama do MAM-SP e na Bienal de Valencia, Kboco deixou a Choque Cultural, galeria em Pinheiros focada em grafite, pela Marília Razuk, tradicional casa do Itaim Bibi com figurões das artes plásticas no time. Em junho do ano que vem, já tem uma individual garantida na maior feira de arte do mundo, a Art Basel, na Suíça, entrada poderosa e definitiva no mercado.
"O pessoal da Choque Cultural era todo tatuado, ouvia o mesmo som que eu, mas depois eu vi que aquela cena era roubada", conta Kboco. "A Marília [Razuk] é uma madame, é o que eu estava precisando."
Seus desenhos coloridos, geométricos -com forte influência de arabescos- e as cores -entre sertão goiano e savana africana- conseguiram aproximar as rodinhas regadas a champanhe e o submundo onde tudo começou. "A primeira vez que eu vi grafite foi quando eu fui com minha mãe na feira hippie comprar tela para o curso de pintura", lembra.
Hoje, ele não se diz mais grafiteiro. "Sou um grafiteiro que foi para a galeria ou um cara de galeria que foi para a rua? Eu sou o mesmo cara, faço tudo igualzinho," afirma. "Eu não consigo ser só grafiteiro nem só artista. Prefiro ser as duas coisas, quero tirar muita onda."

Paçoca e glamour
Seu ateliê apertado, numa casa de cerquinha branca na Vila Sônia, zona oeste de SP, tem as paredes forradas com embalagens de balas japonesas, livros garimpados em sebos e diários visuais de arte de rua pelo mundo. Dali suas telas cruzam o rio Pinheiros rumo à galeria, encravada numa zona de IPTU bem mais elevado e onde já conquistaram uma sólida clientela, somando alguns críticos e curadores de peso.
"Tem que vender caro, porque a tinta é cara, e eu tenho que pagar o aluguel", explica, sentado à mesa da cozinha. No chão, um balde coleta a água de uma goteira, enquanto alguns azulejos se desprendem da parede, por causa de uma infiltração no telhado. Ele chega a pagar por alguns consertos com seus próprios desenhos.
Os papéis japoneses que usa para essas obras menores foram presente do diretor do Museu Afro-Brasil, Emanoel Araújo. "Eu levo paçoca da minha mãe para ele, que ele adora."
Mas quem descobriu Kboco foi o vizinho de Araújo no parque Ibirapuera, o curador do MAM, Felipe Chaimovich. Depois de ver um mural do artista em Goiânia, Chaimovich fez o convite para que ele reproduzisse a obra numa parede do museu, parte da mostra Panorama, de 2005. "Vim para São Paulo todo com moral", conta.
Tudo por causa das amizades estratégicas que colecionou entre curadores. Depois do sucesso estrondoso da dupla osgemeos, os irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo, que ele considera os "Caetano Veloso do grafite", Kboco fez tudo para fugir do teor blockbuster que ronda a arte de rua e quis "entrar nos bagulhos [mostras]" com outro tipo de produção, que não fosse "suvenir da rua para colecionador levar para casa".
"É só business, pintar um negócio amarelo aqui e ali não acrescenta nada para o mundo", diz Kboco, sobre o trabalho d'osgemeos. "Depois eu fui entender que menos é mais, que cheio é vazio", lembra. "Estou mais underground do que antes, tem grafiteiro que deve achar que estou passando fome, porque eu saí da cena."
Longe da rua e perto do glamour, Kboco ainda evita aparecer, mas diz seguir a "cartilhinha do artista". "Não caí de pára-quedas na arte", diz. "Busquei isso, trabalhei por isso."


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