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ENTREVISTA
ALAIN RESNAIS
Tenho a impressão de que amo todo o cinema
Cineasta que revolucionou a linguagem na década de 60 diz que desafio
de um filme, hoje, é conseguir distinguir-se em meio ao excesso de produção
ALAIN RESNAIS assinou o primeiro curta-metragem em 1936. Tinha 14 anos. Hoje,
aos 87, segue a filmar e a ver filmes. Não
sem algum espanto. "É tão grande a produção que não sei mais o que dizer", afirma, nesta entrevista concedida de Paris.
O cineasta, que pouco fala com jornalistas, pediu
que as perguntas fossem enviadas por e-mail, mas deu
as respostas de viva-voz, para um gravador. A transcrição coube à Unifrance, entidade criada em 1949 para promover o cinema francês. O autor que espantou o mundo com "Hiroshima, meu Amor" (1959) e "O Ano
Passado em Marienbad" (1961) revela uma serenidade
e uma humildade pouco comuns entre as lendas.
ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL
Com "Ervas Daninhas", produção de 2009, Alain Resnais
abre-se para os pequenos desvarios da vida. Os personagens
desse filme inquieto são seres
que, por trás da aparência banal, guardam impulsos e fraquezas que, em sociedade, convém disfarçar. É, um pouco, a
volta do Resnais aparentemente leve do musical "Amores Parisienses" (1997) e do sedutor
"Medos Privados em Lugares
Públicos" (2006).
A quem acostumou-se aos
caminhos tortuosos dos filmes
feitos na década de 1960, como
"Hiroshima Meu Amor" ou à
ousadia formal de um ensaio
como "Smoking/ No Smoking
(1993), tais filmes podem até
soar simples demais. Mas são,
no fundo, peças que se encaixam perfeitamente na trajetória de um dos grandes mestres
do cinema contemporâneo.
Vencedor do Leão de Ouro
em Veneza com "O Ano Passado em Marienbad", e do Prêmio
do Júri, em Cannes, por "Meu
Tio na América" (1980), ele voltou a Cannes, neste ano, para
apresentar "Ervas Daninhas" e
receber uma homenagem. Disse que adoraria levar multidões
para ver seus filmes. Mas confessou não saber como conseguir isso, até porque não saberia fazer um filme violento.
FOLHA - Ao ver "Ervas Daninhas",
tive a sensação de que, ali, estão
contidos alguns de seus filmes. Há o
personagem desconfortável com
sua mulher ("Amores Parisienses"),
o comportamento social que não é
bem aceito ("Meu Tio na América"),
o conflito entre delírio e razão ("Providence"). A recorrência a certos temas ou situações é intencional ou
inconsciente?
ALAIN RESNAIS - É inconsciente e
até contrária ao que espero. Tomo emprestada a fórmula do
[François] Truffaut, que dizia
que fazemos o primeiro filme
para superar o segundo e o terceiro para superar o segundo.
Minha ambição, evidentemente, é jamais me repetir, mas sua
observação mostra que isso talvez não seja possível. De toda
maneira, não cabe a mim, mas a
você arbitrar esse conflito.
FOLHA - Em todos os filmes recentes, o senhor enquadra o mundo de
forma leve e irônica. Mesmo nas cenas melancólicas, acabamos por sorrir. Tem sido esse o seu olhar sobre a
vida?
RESNAIS - É difícil, para mim,
falar sobre isso. É um pouco como a fábula do ser de mil pés
que, a partir do momento em
que se dá conta disso, se concentra sobre o pé a partir do
qual crê avançar mais.
E então
ele começa a retroceder. Então,
eu, simplesmente, procuro não
pensar sobre essas questões.
FOLHA - O senhor começou a fazer
filmes amadores aos 14 anos. Seria
possível imaginar sua vida fora do
cinema?
RESNAIS - Eu tinha paixão pelo
cinema desde o tempo do cinema mudo. Nunca fiquei satisfeito com os filmes amadores
que tentei fazer e que, na maioria das vezes, não foram sequer
concluídos, mas eles me mostraram que meu desejo era continuar na atmosfera do espetáculo. Tive então uma passagem
por um curso de artes dramáticas, onde conheci atores que
me mostraram uma vida completamente diferente daquela
que eu havia conhecido até então, na província da Bretanha.
Passei a desejar, então, manter contato com esse universo.
Quando percebi que tinha a opção de me tornar montador, na
hora pensei comigo mesmo: "É
bem possível que um dia ou outro algum ator venha dizer bom
dia ou tomar um café na sala de
montagem...
É possível que almocemos juntos". Seria uma
maneira de me relacionar com
o mundo do espetáculo, ao qual
eu havia me afeiçoado tanto.
Mas jamais pensei em tornar-me um diretor profissional. Pensava apenas que, aos
sábados e domingos, poderia
fazer algumas coisas em 16 milímetros. Isso me parecia suficiente.
FOLHA - Quando todos faziam filmes lineares, o senhor fez "O Ano
Passado em Marienbad". Hoje, que
a palavra "inovação" é um lugar-comum no cinema, o senhor parece fazer filmes menos radicais...
RESNAIS - É muito divertido
procurar formas que não foram
ainda utilizadas, mas, a partir
do momento em que todo mundo faz isso, o impulso por essa
busca desaparece. O que se torna praxe, deixa de ser um combate. Para resumir sua pergunta, é muito difícil, hoje, fazer
um filme que seja diferente dos
demais.
Há tantos filmes sendo
lançados toda semana, ao menos em Paris, que nos vemos
submergidos numa quantidade
absurda de títulos vindos do
mundo todo. Como se fazer notado entre a multidão? Isso tornou-se um problema. Em outros tempos, a questão era decidir entre o filme comercial e o
filme de arte, o que hoje não é
tão difícil. Mas a pergunta é: como distinguir-se? O combate
não é mais o mesmo.
FOLHA - Em "Ervas Daninhas", o
senhor fez alguns jogos que me remeteram a imagens de celular e da
internet. Foi um flerte com o cinema
digital?
RESNAIS - O consumo do cinema mudou muito. Não é mais
necessário ir a uma sala, esperar que o filme comece e termine. Muita gente consome filmes pela TV, e não necessariamente pega o filme desde o começo. Ou seja, o cinema passou
a ser consumido de maneira
fragmentada. Há uma estratificação do gosto que faz com que
quase tudo seja possível.
Isso acaba levando a uma
mistura de cores que, no fim, se
aproxima do cinza. É tão grande a produção que não sei mais
o que dizer. Do ponto de vista
técnico, as primeiras tentativas
digitais eram desastrosas.
As cores, a profundidade de
campo, tudo me parecia mecânico e sem vida. Mas, agora,
com o avanço da técnica, há
uma grande maleabilidade entre a película e o digital. O que
importa é o diretor saber a que
resultado quer chegar.
FOLHA - O senhor costuma ir ao cinema? Vê, por exemplo, as animações, tão em voga?
RESNAIS - É meu problema
quando eu falo da quantidade
de filmes. Posso ver três filmes
por semana, mas gostaria de escolhê-los dentro de cem anos
de história do cinema. Não é
que eu queira ver filmes mudos,
mas também não quero ver
apenas os filmes que acabaram
de ser lançados. Meus gostos
são múltiplos.
Gosto tanto das comédias
musicais quanto dos documentários sociais, ou até de alguns
desenhos animados. A partir do
momento em que algo me emociona, não vou condenar essa
emoção em nome de uma escola ou de um estilo. Tenho a impressão de que eu amo todo o
cinema, mas tudo depende do
meu estado moral, biológico,
do meu humor no dia.
FOLHA - Qual é, a seu ver, o lugar
do cinema que se quer reflexão e arte na era do entretenimento?
RESNAIS - Não sei, fico até embaraçado. Penso que devemos
seguir nossos instintos. Seja o
que for que queiramos dizer, é
preciso que seja algo que tenha
o bastante para manter o espectador sentado durante duas
horas de projeção. Há muitas
formas de fazer isso, mas creio
que se dissermos "o importante
é minha mensagem e não o prazer do espectador" estamos
num impasse. Procuro responder a tudo isso com humildade.
FOLHA - Seus filmes sempre falaram da inconstância temporal e do
lugar do homem no mundo. Para o
sr., o que é a passagem do tempo?
RESNAIS - Mais uma vez, como
tenho feito desde o começo da
nossa entrevista, darei uma
resposta vaga. Vejo os danos do
tempo e é natural que isso se reflita nos filmes. Mas o que realmente me interessa, e resta como um enigma é outra coisa.
Por que os homens fazem espetáculos? Por que os seres humanos fazem arte? Não tenho a
resposta, e ficaria muito feliz se
você pudesse dá-la para mim.
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