São Paulo, sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

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Crítica/ "Ervas Daninhas"

Resnais sabe que não precisa provar mais nada

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Uma vantagem enorme dos mestres é que não têm de provar nada. Alain Resnais não tem a menor necessidade de demonstrar que está na vanguarda e coisas do tipo. Ele sabe onde está. De maneira que fazer um novo filme é, em grande medida, divertir-se. De passagem, nos diverte loucamente, como neste "Ervas Daninhas".
Aqui, Resnais não muda seu método e parte de um escritor conhecido (Christian Gailly, autor de "L'Incident", em que se baseia o filme, tem vasta obra na França). Mas basta olhar os filmes, que Resnais está lá. Aqui, ele começa por introduzir um narrador, uma "voz off". Mas ela não fala com a segurança que se espera de uma voz de fora, explicativa.
Ela enuncia sua insegurança, ou a dos protagonistas do filme. Margô tem a carteira roubada. Georges a encontra num estacionamento. Georges olha os documentos na carteira com certa indiferença, até topar com um brevê. Descobre que Margô é piloto de avião, o que o deixa transtornado, a ele, velho admirador da aviação. Parece uma coincidência fantástica.
Ele leva a carteira à polícia. Eis aí o início de uma história de amor. Ou antes, de um incidente amoroso. Os amores talvez sejam sempre incidentes. Este é apenas um pouco mais. Mas não é o ponto. É o filme estar sempre aberto à observação (e, a partir dela, à invenção).
Um exemplo: o telefone toca na casa de Margô. Ela vai atender. O telefone continua a tocar, indiferente à sua aproximação. Ela diz: "Calma. Um minuto. Estou chegando", como se falasse com alguém. Se domina esse registro, digamos, realista, o mais das vezes o filme se apresenta francamente como uma representação do mundo, e não como sua réplica naturalista. Isso começa na cenografia, setor que Resnais carrega de irrealismo e contrastes de cores.
Mas prossegue ao longo dos incidentes que pontuam essa comédia (ou quase comédia?). Isso vai desde a maneira como Georges é recebido na delegacia, passa pelas atitudes de Margô no consultório (ela é dentista) e culmina com certas ações (Georges corta os pneus do carro de Margô).
Mas o fato de estarmos numa quase comédia não impede o filme de fazer observações agudas sobre as pessoas, as coisas e o amor. Um momento para a memória: quando Margô se pergunta por que um homem a ignora, não pensa em grandes acontecimentos, mas no nariz talvez pequeno, ou nos dentes.
Todo o tempo Resnais leva da arte à vida, do cômico ao trágico, da certeza à incerteza. Seria possível dizer quase isso de "O Ano Passado em Marienbad". Mas lá Resnais ainda tinha algo a provar.


ERVAS DANINHAS

Direção: Alain Resnais
Produção: França, 2009
Com: Sabine Azéma, André Dussollier, Anne Consigny, Mathieu Amalric
Onde: Cinema da Vila, Espaço Unibanco, HSBC Belas Artes, Reserva Cultura
Classificação: 14 anos
Avaliação: ótimo




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