|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/ "Ervas Daninhas"
Resnais sabe que não precisa provar mais nada
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Uma vantagem enorme
dos mestres é que não
têm de provar nada.
Alain Resnais não tem a menor
necessidade de demonstrar
que está na vanguarda e coisas
do tipo. Ele sabe onde está. De
maneira que fazer um novo filme é, em grande medida, divertir-se. De passagem, nos diverte
loucamente, como neste "Ervas Daninhas".
Aqui, Resnais não muda seu
método e parte de um escritor
conhecido (Christian Gailly,
autor de "L'Incident", em que
se baseia o filme, tem vasta
obra na França). Mas basta
olhar os filmes, que Resnais está lá. Aqui, ele começa por introduzir um narrador, uma
"voz off". Mas ela não fala com a
segurança que se espera de
uma voz de fora, explicativa.
Ela enuncia sua insegurança,
ou a dos protagonistas do filme.
Margô tem a carteira roubada. Georges a encontra num estacionamento. Georges olha os
documentos na carteira com
certa indiferença, até topar
com um brevê. Descobre que
Margô é piloto de avião, o que o
deixa transtornado, a ele, velho
admirador da aviação. Parece
uma coincidência fantástica.
Ele leva a carteira à polícia.
Eis aí o início de uma história
de amor. Ou antes, de um incidente amoroso. Os amores talvez sejam sempre incidentes.
Este é apenas um pouco mais.
Mas não é o ponto. É o filme estar sempre aberto à observação
(e, a partir dela, à invenção).
Um exemplo: o telefone toca na
casa de Margô. Ela vai atender.
O telefone continua a tocar, indiferente à sua aproximação.
Ela diz: "Calma. Um minuto.
Estou chegando", como se falasse com alguém.
Se domina esse registro, digamos, realista, o mais das vezes o filme se apresenta francamente como uma representação do mundo, e não como sua
réplica naturalista. Isso começa na cenografia, setor que Resnais carrega de irrealismo e
contrastes de cores.
Mas prossegue ao longo dos incidentes
que pontuam essa comédia (ou
quase comédia?). Isso vai desde
a maneira como Georges é recebido na delegacia, passa pelas
atitudes de Margô no consultório (ela é dentista) e culmina
com certas ações (Georges corta os pneus do carro de Margô).
Mas o fato de estarmos numa
quase comédia não impede o
filme de fazer observações agudas sobre as pessoas, as coisas e
o amor. Um momento para a
memória: quando Margô se
pergunta por que um homem a
ignora, não pensa em grandes
acontecimentos, mas no nariz
talvez pequeno, ou nos dentes.
Todo o tempo Resnais leva da
arte à vida, do cômico ao trágico, da certeza à incerteza. Seria
possível dizer quase isso de "O
Ano Passado em Marienbad".
Mas lá Resnais ainda tinha algo
a provar.
ERVAS DANINHAS
Direção: Alain Resnais
Produção: França, 2009
Com: Sabine Azéma, André Dussollier,
Anne Consigny, Mathieu Amalric
Onde: Cinema da Vila, Espaço Unibanco, HSBC Belas Artes, Reserva Cultura
Classificação: 14 anos
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Última Moda - Alcino Leite Neto: Um fio que mudou a moda Índice
|