São Paulo, sábado, 25 de dezembro de 2010

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CRÍTICA POESIA

"Até Agora" firma relevância de Bonvicino

Coletânea reúne produção do autor entre 1975 e 2007 e o corrobora como o mais destacado poeta brasileiro de sua geração


DIALOGANDO COM O "ESTRANGEIRO", BONVICINO CHEGOU A RESULTADOS POUCO COMUNS, DE FATURA INDISCUTÍVEL


AURORA BERNARDINI
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Até Agora" reúne a produção de Régis Bonvicino, de 1975 a 2007. O volume começa com o livro mais recente, "Página Órfã", uma coletânea clara e tocante, que se constitui no apogeu de seu trabalho nesses 32 anos.
Traz, igualmente, um esclarecedor ensaio de João Adolfo Hansen, a fornecer chaves para sua leitura.
Desfilam aí, retomando, nessa "Página Órfã", imitação da vida, morte, agonia, desperdício, lixo consentido, mendigo morto a pauladas, cacos de vidro, novo alfabeto, definições do Brasil, borboleta disfarçada e, uivando por/sobre todos, o lobo guará, extinto.
"Remorsos do Cosmos", de 2003, é menos frontal do que o seu sucessor: abre-se mais à interpretação do que a uma compreensão imediata.
Antecipa, por seu turno, a "Página Órfã" nas invenções de linguagem, no tom áspero, na exploração do "junk space", tão caro ao autor.

"ZONA DE SEGURANÇA"
A poesia de Bonvicino, desde "Bicho Papel" (1975), opera com a ideia de arte como desconsideração de uma "zona de segurança".
Em "Régis Hotel", de 1978, aparece, de modo nítido, a inflexão social. Em "Sósia da Cópia" (1983), a poesia é vista como rival do real, beligerante, aproximando-se daquela que o autor chama de sua "antipoesia".
O tom ácido agora se alarga com o choque entre imaginário e o real aceito, dado. A parceria com a fala inglesa, que tanta importância terá em sua poética, surge em "The Indigo Glass in the Grass", que, jogando com um possível original e sua tradução, põe em xeque a realidade das línguas, questionando-as, revelando-as como artifícios de controle.
Não se pode deixar de mencionar "a lírica de rostinho colado à realidade", de "Más Companhias" (1987). E a dupla "33 Poemas" (1990) e "Outros Poemas" (1993), sóbria e introspectiva, equilibrando mundo e linguagem.
Bonvicino traduziu o argentino Oliverio Girondo (1891-1967) e os americanos Michael Palmer, Robert Creeley (1926-2005) e Charles Bernstein, entre 1994 e 2008.
Diga-se que ele mesmo é responsável pela publicação de uma antologia de poetas brasileiros em inglês, a primeira de impacto, intitulada "Nothing the Sun Could Not Explain" (nada que o sol não poderia explicar).
Aliás, esse internacionalismo, que se reafirma com a tradução de dez poetas chineses contemporâneos em "Um Barco Remenda o Mar", parceria com o poeta chinês Yao Feng, é uma característica marcante de seu trabalho.
Foi dialogando com o alheio e o "estrangeiro" que Bonvicino trocou as referências de sua poesia, para chegar a resultados pouco comuns, de fatura indiscutível, o que ocorre, sistematicamente, a partir de "Ossos de Borboleta", de 1996.

SINTAXE
Deste modo, "Até Agora" o firma como um dos mais importantes poetas brasileiros vivos e o nome mais destacado de sua geração.
Como afirma Hansen: "Bonvicino nunca ficou pós-utópico. Insiste na inutilidade negativa da sua arte que faz dos ossos de sépia e ossos de borboleta e flores árticas e ptyx e rosas saxífragas e abolidos bibelôs e tutameias de nonadas da tradição moderna e de outras representações a matéria da sua liberdade poética.
Dissolvendo essa matéria múltipla e contraditória na sintaxe feita de sintaxes, inventa um conteúdo de verdade que está aí, até agora, à espera do leitor que vai vir".

AURORA BERNARDINI é professora de teoria literária da USP

ATÉ AGORA

AUTOR Régis Bonvicino
EDITORA Imprensa Oficial
QUANTO R$ 40 (566 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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