São Paulo, sexta, 25 de dezembro de 1998

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Produção grega se arrasta pela eternidade e um dia

Divulgação
Bruno Ganz e o garoto Achileas Skevis em cena de "A Eternidade e Um Dia", filme de Theo Angelopoulos que ganhou a Palma de Ouro em Cannes 98


BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha

Já está claro que o cineasta grego Theo Angelopoulos pretende ser lembrado mais como poeta do que como prosador.
Seus filmes, mesmo quando excedem pouco mais de duas horas, parecem se arrastar pela eternidade e um dia, pontuados por mensagens humanitárias que fazem referência à política regional do momento (conflito nos Bálcãs, nacionalismo grego etc.), traduzidas em imagens alegóricas.
O mais curioso é que tanta gente, cansada de Hollywood, siga cultuando esses filmes (Angelopoulos recebeu a Palma de Ouro no último Festival de Cannes por este "A Eternidade e Um Dia"), vendo neles a "resistência" de um remoto cinema de arte, agora que a produção comercial americana parece ter assolado de vez o gosto das platéias em todo o mundo.
Aproveitando essa situação, o cinema de Angelopoulos alimenta pelo menos dois equívocos: 1. que ele seja o mais autêntico resquício dos bons e velhos "filmes de arte" (muitas vezes, mais parece um arremedo) e 2. que represente uma alternativa ao cinema comercial.
"A Eternidade e Um Dia" dá exemplos a rodo para contradizer ambas as premissas. A começar pelos diálogos.
Trata-se de um filme em grande parte sobre a poesia e, além do mais, com um protagonista que é poeta.
Mas como, num filme que se pretende "poético", pode o protagonista, que é justamente poeta, proferir a sério, sem um pingo de humor ou ironia, uma frase do tipo: "Diga-me quanto tempo durará o amanhã"?
Dói nos ouvidos. O espectro alegórico de um poeta nacionalista grego do século 19 que vaga de vez em quando pelo filme (Dionisios Solomos, 1798-1857) se encarrega de responder com outra preciosidade: "A eternidade e um dia". E o espectador sente aquele arrepio na espinha.
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Comparado a Antonioni
Angelopoulos costuma ser comparado a Antonioni. Talvez pela forma como encena e coreografa situações de grupo (são as cenas mais belas) desde o seu "A Viagem dos Comediantes" (1975) até o recente "Um Olhar a Cada Dia" (1995). Mas a comparação é no mínimo injusta com o cineasta de "O Eclipse" e "A Aventura".
É verdade que em Angelopoulos tudo é encenação, nada é natural, tudo é posado, o que pode ser até interessante e até lembrar Antonioni à primeira vista -filmar os homens não como se fossem homens, mas como representações da condição humana- se não fosse pelo "sentido poético" que o cineasta grego tenta agregar à força às imagens, como se por si só -e ao contrário de Antonioni- elas não bastassem.
E você acaba tendo de ouvir coisas do tipo: "Como será o lugar para onde vamos?" (a morte) ou "Faltam duas horas para a grande viagem" (a morte, de novo).
Para completar, "A Eternidade e Um Dia" apela para um menino de rua com expressões de adulto, um lavador de pára-brisas, para reforçar o drama.
O protagonista é um poeta solitário que, diante da proximidade da morte, abandonado às suas memórias sentimentais, salva um menino albanês em situação ilegal das mãos da polícia e em seguida das mãos de uma quadrilha. Os dois passam o resto do filme juntos. "Kolya" e "Central do Brasil" vêm logo à cabeça.
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Metáforas "poéticas"

Nesse filme sobrecarregado de metáforas "poéticas", não é difícil entender o que a criança representa: a esperança, a vida, a renovação.
Mas, definitivamente, as melhores metáforas de Angelopoulos são as que não chegam a fazer muito sentido ou, pelo menos, não têm um sentido tão evidente, deixando o espectador com a vã ilusão de que possam significar mais do que na realidade significam.
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Filme: A Eternidade e Um Dia Produção: Grécia, 1997 Direção: Theo Angelopoulos Com: Bruno Ganz, Achileas Skevis, Isabelle Renauld, Fabrizio Bentivoglio, Giorgio Silvagni Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco de Cinema - sala 1


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