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Náufrago do tempo
Angústia pela finitude humana marca livro inédito de poemas de Mário Peixoto
FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Sabe o que estes ponteiros querem te dizer, meu filho? Cada vez
que eles andam "um a mais, um a
mais, um a mais", na verdade estão te dizendo: "um a menos, um a
menos, um a menos"."
A descrição do movimento do
relógio feita por Mário Peixoto
(1908-1992) a Walter Salles no primeiro encontro dos dois cineastas
resume a maior angústia do criador de "Limite": a humanidade
passa, o mundo permanece.
A dura constatação da transitoriedade, que acompanhava Peixoto desde os diários da adolescência, também transparece em
"Poemas de Permeio com o Mar",
reunião de textos escritos entre
1933 e 1968 e reunidos pela primeira vez em livro, a ser lançado
na segunda-feira, no Rio.
Editados pela Aeroplano e Arquivo Mário Peixoto, os poemas
-quase todos completamente
inéditos, alguns previamente publicados em revistas- chegam às
livrarias pelas mãos de Saulo Pereira de Mello, 69.
Curador dos guardados do amigo, o físico e cinéfilo Pereira de
Mello recusa o título de organizador estampado no volume de
"Poemas de Permeio com o Mar":
"Fico até com vergonha. Não fiz
mais do que atualizar linguagem,
caçar vírgulas, tirar alguma coisa
repetida; ele deixou tudo pronto".
O volume não foi a primeira incursão do cineasta na poesia; em
1931, mesmo ano em que mudaria
os rumos do cinema com "Limite", Peixoto publicara "Mundéu",
coletânea de poemas alinhados
com a estética modernista, que ele
depois rejeitaria (hoje são encontrados em edição da 7 Letras).
Assim, apesar de terem começado a surgir depois da naufragada
tentativa de rodar "Onde a Terra
Acaba", "Poemas de Permeio
com o Mar" não deve ser identificado como uma mudança de rumos ocasionada pela frustração.
"Nada do que ele fazia era sucedâneo de outra coisa", afirma Pereira de Mello, que, para definir o
espírito criativo do amigo, usa a
imagem de um vulcão, "com o
magma interno das emoções",
encontrando, ora no cinema, ora
na literatura, o "ponto de menor
resistência" por onde escoar.
Lugar da poesia
Em seu prefácio à edição, Francisco Alvim tenta decifrar o lugar
que ocupa a poesia entre os meios
de expressão de Peixoto.
"Há pessoas que possuem o
sentimento da poesia sem que isto
as faça ter o mesmo compromisso
do poeta. (...) Acho que os poemas de Mário Peixoto correspondem à primeira espécie, aquela
que resulta de um compromisso
menos essencial do que circunstancial com a poesia -mas nem
por isso pouco verdadeiro."
Enquanto o poeta Alvim vê na
obra literária de Peixoto uma expressão momentânea, falando à
Folha o cineasta Sérgio Machado,
33, vê no cinema peixoteano uma
expressão perene da poesia.
Tendo vasculhado por um ano e
meio o Arquivo Mário Peixoto
para criar seu primeiro longa-metragem -um documentário que
empresta do homenageado o título "Onde a Terra Acaba", que deve estrear em março e no momento participa dos festivais de Tiradentes, em Minas Gerais, e Roterdã, na Holanda-, Machado conclui que a obra de Peixoto é um
"caso raro de cinema-poesia".
Para ele, o fato de Peixoto ter
despontado com "Limite" no momento em que o cinema passava
de mudo a falado marca sua qualidade excepcional. Enquanto o
som imprimiria qualidade narrativa ao cinema, "Limite" "aponta
na direção oposta, com um parentesco muito mais próximo
com a poesia", com suas "rimas
visuais, repetições", diz Machado.
Talvez seja impossível definir se
o enigmático Mário Peixoto foi
um cineasta-poeta ou um poeta
cinematográfico. Saulo Pereira de
Mello, porém, frisa: nas diferentes
formas de expressão que buscou,
Peixoto mostrou sempre "uma
unidade muito grande". "O que
estava lá dentro da terra, o magma, era o mesmo", diz, valendo-se novamente de sua analogia.
Esse traço de união, o próprio
título do livro nos sugere, encontra sua representação imagética
mais constante nas águas do mar.
Se o fracasso da segunda incursão cinematográfica de Peixoto
não seria determinante para o
nascimento de sua poesia, a empreitada de "Onde a Terra Acaba"
marcaria, ao menos, a aproximação crescente do cineasta com o litoral sul-fluminense, onde terminaria a vida, no Sítio do Morcego,
em Angra dos Reis.
Essas águas, que já estavam no
filme inconcluso, povoam os escritos do livro. Para Pereira de
Mello, o mar era o retrato natural
do que nomeia como "melhor explicação para a obra e a figura do
Mário Peixoto: o conceito de metamorfose, o processo que evolui
por fases, sob dois princípios, o da
permanência e o da mudança".
"O mar não tem forma, é uma
metamorfose contínua; é a coisa
primordial, de onde veio a vida."
O mar continua; permear-se
com ele talvez fosse, para Peixoto,
um modo de buscar ultrapassar a
efemeridade da vida.
POEMAS DE PERMEIO COM O MAR
- De: Mário Peixoto (1908-1992).
Editora: Aeroplano (tel. 0/xx/21/2529-6974), co-edição com Arquivo Mário
Peixoto. Primeira edição. 272 págs. R$
20. Lançamento: segunda, dia 28, às 19h,
no Empório das Letras (r. do Catete, 311,
sobreloja, Rio, tel. 0/xx/21/2205-5330).
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