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PATRULHA DA FUMAÇA
Com sete indicações ao Oscar, "O Informante" dá duro golpe no "affaire" cinema-cigarro
Hollywood dá suas últimas baforadas
FERNANDO MORGADO
especial para a Folha
"O Informante", que estreou
ontem, vai se tornar um marco
histórico: é o primeiro a anunciar
o fim de um romance de quase
100 anos entre Hollywood e o cigarro. O rompimento promete
ser definitivo, pois não se trata de
exemplar barato, feito às pressas,
para explorar a guerra mundial e
sem trégua contra o fumo.
O cinema americano, como
poucos, sabe se adaptar instantaneamente às novas tendências, à
moda do momento, para ganhar
dinheiro. Não é o caso deste filme,
feito com orçamento de milhões
de dólares, elenco de grandes astros, diretor do primeiro time,
saudado com entusiasmo pela
crítica estrangeira e indicado para
sete Oscar.
Nestes vigilantes e geralmente
puros ares de véspera de milênio,
o importante não é apenas o esotérico "politicamente correto",
mas, principalmente, pulmão e
mente saudáveis.
Estrelado por Al Pacino e Russell Crowe, "O Informante" é baseado em história real e recente na
vida americana; vem causando
comoção e repercussão onde é
exibido. A denúncia que o filme
mostra custou bilhões de dólares
à indústria do fumo e se tornou
uma bola não de neve, mas de fogo, que, montanha abaixo, vai
transformando em cinzas reputações até então inatingidas e segredos bem guardados do cada vez
mais abalado poderio dos fabricantes de cigarro.
O homem que revelou tudo é
Jeffrey Wigand (vivido por Crowe), o mais graduado executivo
da indústria de cigarro americana
a denunciar ao mundo os perigos
do fumo e as manipulações por
trás da química usada na fabricação. Executivo da poderosa
Brown e Williamson, fabricante,
entre outros, da marca Lucky Strike, ele aceitou testemunhar contra sua empresa diante de um comitê do governo americano contra os fabricantes de cigarro.
Ameaçada pelas revelações de
Wigand, que conhecia como poucos os bastidores do fumo, a indústria contra-atacou, numa
campanha implacável -ele quase teve sua reputação profissional
e sua vida particular destruídas
para sempre.
Na sua descida destruidora, a
bola de fogo das denúncias deixou profundas cicatrizes na credibilidade da rede de televisão CBS
e nos diretores de um dos programas jornalísticos mais respeitados dos EUA, o "60 Minutes".
Lowell Bergman (Al Pacino),
um dos editores do programa,
quase entra em êxtase quando
descobre que Wigand, até então o
maior e mais importante "insider" da indústria, está disposto a
fazer as denúncias contra seus poderosos patrões. A luta implacável de Bergman, seus artifícios para conseguir a entrevista reveladora com Wigand, as ameaças de
vários setores contra eles, fazem
do filme, emocionante e revelador espetáculo.
Então, surge a primeira e inesperada derrota. Com o maior dos
peixes e a entrevista já nas mãos,
Bergman recebe duro golpe
quando a direção da emissora, temendo o poderio e ameaças de
processos milionários da indústria, não permite que a entrevista
vá ao ar. O golpe mais profundo,
porém, atingiu o prestígio e a respeitabilidade da CBS. A estrela do
programa, Mike Wallace (Christopher Plummer), também sai
abalado em sua imagem no final.
Durante décadas, cinema e fumo estiveram ligados não só pelo
vício, mas por romantismo e coração. O cigarro, o charuto, o cachimbo desempenharam papel
tão importante nos filmes como
os próprios intérpretes.
O cigarro, quase sempre, simbolizava, na tela, tensão, nervosismo; o charuto, autoridade, prepotência ou corrupção, e o cachimbo era privilégio de intelectuais,
liberais e bons sujeitos em geral.
De vez em quando, um argumentista mais criativo transformava o cigarro num instrumento
de amor tão convincente que o
mundo inteiro fazia o mesmo.
Foi o que aconteceu 57 anos
atrás, no filme "A Estranha Passageira" (Now, Voyager), quando
Paul Henreid acendeu dois cigarros na boca e entregou um a sua
apaixonada Bette Davis. O gesto
causou tanto impacto que foi copiado nos quatro cantos da Terra.
O comediante Bob Hope, um ano
depois, em 43, em "O Caradura"
(Let's Face It), satirizou a cena famosa acendendo ao mesmo tempo nada menos que oito cigarros.
Esse tabagismo romântico é
coisa do passado. Neste perigoso
e ameaçador fim de milênio, o cinema não tem mais com o fumo
qualquer relação de amor. O importante agora é o pulmão, a saúde; alertar o mundo para os malefícios do tabagismo. John Wayne,
que consumia cinco maços de cigarros por dia, abandonou o vício, ameaçado por um câncer.
Lutou bravamente contra ele
durante anos, até sucumbir.
Humphrey Bogart, que fumava
como poucos na tela e fora dela,
teve o mesmo fim. O caso mais
dramático de astro perdendo a
batalha contra o grande vilão do
fumo foi o de Yul Brynner que, ao
descobrir que estava morrendo,
com o pulmão destroçado, decidiu participar de uma cruzada nacional, advertindo os americanos
para não acabar a vida como ele.
Hollywood está reagindo a esta
recente batalha antitabagismo como sempre reagiu: espertamente.
Se a moda agora é esta, a dos pulmões corretos e saudáveis, vamos
aderir, nada de desafiar a maioria.
E quem melhor do que o cinema para doutrinar e conscientizar
o mundo sobre os riscos do cigarro? O mesmo cigarro que, no passado, esteve entre seus astros mais
importantes, copiados e lucrativos, pelos sutis e às vezes não tão
sutis caminhos do marketing da
indústria do fumo.
Alfred Hitchcock criou em seu
"Ladrão de Casaca" uma cena
inesquecível, e repelente, quando
a cínica Jessie Royce Landis, vivendo a mãe de Grace Kelly, apaga seu cigarro num resto da gema
de ovo no prato. Audrey Hepburn
até hoje é ícone de sofisticação e
imitação, com sua clássica imagem dos anos 60, de óculos escuros, chapéu e longa piteira, no filme "Bonequinha de Luxo".
Mark Morris, do jornal inglês
"The Observer", cita pesquisa do
"USA Today" que concluiu que
56% dos filmes produzidos em 96
tinham cenas de alguém fumando. Morris lembra com humor e
cinismo o papel estratégico do cigarro no cinema: se não houvesse
alguém com cigarro à mão, como
acender a dinamite para mandar
os vilões para os ares, como Clint
Eastwood fez tantas vezes nos faroestes, com seus charutos presos
entre os dentes?
Outro filme denunciando a indústria e seus sinistros bastidores
é "Runaway Jury", baseado em
história de John Grisham. O tema
é sobre uma poderosa indústria
do tabaco que se vê em apuros
por causa de denúncias e suborna
jurados num julgamento contra
ela. As filmagens chegaram a ser
iniciadas em 1998, com elenco de
astros: Sean Connery, Gwyneth
Paltrow e Edward Norton.
Mas algo saiu errado -não, pelo que sabe, por culpa dos fabricantes de cigarro, mas porque os
produtores alegaram que o interesse do grande público nos livros
de Grisham ("A Firma") vem
caindo cada vez mais.
Temendo prejuízo, decidiram
adiar e arquivar o projeto. Mas,
tendo investido 8 milhões de dólares somente em direitos autorais, a Warner mais cedo ou mais
tarde deverá reiniciar as filmagens. Um dos motivos é bem
hollywoodiano: há anos o cinema
americano não tinha a sua disposição vilão tão ameaçador, real e,
espera-se, tão promissor e duradouro nas bilheterias como o cigarro.
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