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CRÍTICA
Roteiro afasta filme e personagens da vida corrente
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Em "As Horas" praticamente
todos os estágios da produção literária estão compreendidos
na história de três mulheres.
Existe primeiro Virginia Woolf,
a escritora, vivendo num vilarejo
britânico, em 1941 (ou antes, morrendo: o filme se abre com seu
suicídio). Depois há, no presente,
Clarissa, editora, ex-mulher de
Richard, escritor com Aids à beira
da morte e que acaba, claro, de ganhar um grande prêmio literário.
Richard chama Clarissa de senhora Dalloway. Existe, por fim, Laura, dona-de-casa e leitora de "Mrs.
Dalloway", o romance publicado
por Virginia Woolf em 1925.
Escritores sofrem. São seres incomuns, incompreendidos pelo
vulgo porque encaram a vida de
frente. É esse o lugar-comum desenvolvido basicamente pelo filme de Stephen Daldry.
Talvez o romance de Michael
Cunningham que o filme toma
por base quisesse dizer que não há
pessoas incomuns. Escritores,
editores e leitores expressam, cada um a seu modo, seus dramas e
maneiras de encarar o mundo.
Mas Stephen Daldry acredita
nos seres especiais. Ou, em todo
caso, faz deles seu ponto de venda. Foi assim com "Billy Elliot", o
menino bailarino que vicejava no
meio operário. Podia-se pensar
que, ali, Daldry já havia feito bobagem para uma vida inteira.
Ledo engano. Com "As Horas"
as coisas pioram bastante -e
nem estou falando da música de
Philip Glass, capaz de enlouquecer um vivente já nos primeiros 15
minutos de projeção.
Antes disso existe esse tom sorumbático que não se refere tanto
aos personagens e às suas circunstâncias quanto à vida intelectual
propriamente dita. Daldry não
procura nos dizer que a escrita é
um mal do qual devemos manter
distância. O fato, no entanto, é
que em seu filme escrever (e ler,
que no limite é a mesma coisa)
nos afasta da vida corrente e nos
faz, com isso, mais suscetíveis à
incompreensão (além de, parece,
necessariamente bissexuais).
Seria injusto com "As Horas"
negar que no roteiro -pontilhado de literatice- não existam
dois ou três momentos fortes. Infelizmente, eles dizem respeito à
maneira como as três histórias se
encontram e, portanto, é melhor
calar para não estragar as poucas
surpresas que o filme reserva.
Por fim, este é um filme de atrizes. Onde se lê Virginia, leia-se Nicole Kidman. Por Clarissa, entenda-se Meryl Streep. E substitua-se
o nome Laura por Julianne Moore. Como bom filme de prestígio,
que só existe para o Oscar e pelo
Oscar, trata-se aqui de promover
um show pessoal desses três prestigiosos nomes. Não é culpa das
atrizes se apenas Laura parece,
por vezes, um ser humano encontrável em outro lugar que não
uma biblioteca.
As Horas
The Hours
Produção: EUA, 2002
Direção: Stephen Daldry
Com: Nicole Kidman, Meryl Streep,
Julianne Moore
Quando: a partir de sexta-feira, em
circuito nacional
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