São Paulo, quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004

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ILUSTRADA

Violência de cenas marca controverso filme do ator e diretor Mel Gibson, que chegou ontem aos cinemas americanos

"Paixão de Cristo" estréia em meio a polêmica

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

Cercada de controvérsia, a estréia de "A Paixão de Cristo" ("The Passion of the Christ"), novo filme do ator Mel Gibson, 48, lotou milhares de salas de cinema ontem nos EUA e levou ao ápice a mobilização de grupos de cristãos e judeus que vêem a obra como "blasfêmia" ou como um libelo anti-semita.
"A Paixão de Cristo" tem, de fato, cenas de violência nauseantes contra Jesus (interpretado por Jim Caviezel) e não faz boa figura dos líderes judaicos de Jerusalém, que, no filme, condenam sumariamente "o filho de Deus" à sua horrível morte.
Tirando seus excessos, no entanto, o filme tem o mérito de querer ser realista ao máximo e de mostrar o intenso sofrimento físico do homem Jesus em meio a curtos flashbacks de passagens famosas dos evangelhos.
Totalmente diferente de outras versões açucaradas, "A Paixão de Cristo" se concentra nas 12 últimas horas de vida de Jesus, desde o seu último encontro com um diabo andrógino criado por Gibson até o momento de sua terrível crucificação no Gólgota.
Em resumo, o objetivo moral parece ser o de tornar absolutamente inesquecível o fato de que Jesus pagou muitíssimo caro "por nossos pecados".
O realismo do filme de Gibson é acentuado pelo fato de não ter sido empregado nenhum ator conhecido do grande público e de os personagens judeus falarem somente em aramaico. E os invasores romanos, em latim.
Há semanas, Gibson vem sendo massacrado em críticas e entrevistas que acusam o filme de ser anti-semita e bárbaro em suas cenas de violência, a maior parte apresentada em câmera lenta e encharcada de sangue.
O ator, que investiu US$ 25 milhões do próprio bolso para produzir, dirigir e escrever o filme, nega a relação e afirma que a obra foi o produto de uma crise pessoal que o reaproximou de sua comunidade cristã conservadora.
Mas o fato é que os líderes judeus que pagam pela traição de Judas e que levam Jesus à presença de Poncius Pilatos são apresentados em "A Paixão de Cristo" como maus, ludibriadores e até sádicos nos momentos de maior agonia de sua vítima.
É impossível não antipatizar com eles, especialmente pelo fato de o filme não oferecer a relevante informação de que Jesus e seus seguidores também eram judeus.
A dimensão do sofrimento imposto a Jesus, resultado direto da "ação de bastidores" dos líderes judaicos, completa o quadro.
Nos 118 minutos de filme, Jesus apanha pouco mais de 20 minutos, cronometrados, até o momento de sua crucificação.
Mas, quando aparecem, as cenas de massacre contra o seu corpo são, de fato, "pornográficas". Em um dos piores momentos, quando é açoitado com um instrumento de tiras de couro e pedaços de ferro, por exemplo, um pedaço inteiro do corpo de Jesus é arrancado, deixando quatro costelas à mostra.
Na crucificação, um enorme cravo é pregado a uma mão viva (robótica) e, depois de pregado, Jesus é atirado de frente em direção ao chão tendo às costas a imensa e pesada cruz. É um exagero e fica difícil acreditar que qualquer ser humano agüentaria o flagelo por que passa Jesus até o momento de sua morte.
Em uma recente entrevista, Gibson se disse surpreso com a reação negativa e a publicidade em torno de seu filme e deu a entender que pode continuar explorando o veio religioso. "Há muitas boas histórias naquele livro", disse, referindo-se à Bíblia.
Inflamado pela atual polêmica, "A Paixão de Cristo", exibido em 4.600 salas nos EUA, prevê atingir US$ 100 milhões na bilheteria até domingo e já aspira a se equiparar ao filme "Os Dez Mandamentos", de 1956, a quinta maior bilheteria da história americana, de US$ 750 milhões.


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